quinta-feira, 25 de julho de 2019

Himitsu ~Kuro no Chikai~ [Capítulo 4, Parte 2 - O preço da traição]

Os invernos na região de Tard eram longos. Diferente de Velcant, onde havia um clima quente durante todo o ano, a atmosfera das quatro estações nesta região era muito bela.

Eu recebi a informação de que Rin estava aqui no pequeno e remoto país de Calmonde, que ficava na vasta Região de Tard que estava sob o controle e gestão diretos de Gaku.

Cerca de um ano se passou desde que o paradeiro de Rin se tornou desconhecido. Para os anjos, um ano não era muito tempo. Mas, mesmo assim, desaparecer sem nenhuma explicação era incomum.
Normalmente, anjos reconhecem as coisas se baseando na energia sagrada de todas as formas vidas. Por isso, não importa em que parte do mundo ela estivesse, poderia ser facilmente localizada se eu rastreasse sua energia sagrada. Entretanto, desde um ano atrás, qualquer traço de sua energia sagrada havia desaparecido. Não importa o quanto eu procurasse, não conseguia sentir a alma dela em lugar algum.
Eu rapidamente procurei pela área onde ela havia batalhado contra um demônio antes, a residência humana para onde ela foi disfarçada, e disse que minha unidade procurasse por toda Velcant, mas não encontrei uma pista sequer. Eu considerei a possibilidade de que sua alma houvesse desaparecido, mas o relatório de Meiko descartou essa teoria. Ela nos disse que a alma de Rin ainda não havia desaparecido. Não havia erros em seu relatório, como era uma cuidadora da Árvore da Vida. Por volta da mesma época, eu recebi uma informação.
Rin estava aqui no mundo humano.

Nos arredores da quieta cidade rural havia um bar isolado. Embora a noite tivesse começado agora, os humanos já estavam bebendo e fazendo barulho. O Bar Gaudente era a única taverna desta cidade, e parecia lotar tanto de jovens quanto de adultos que se reuniam aqui nos fins de semana.
Eu não odiava o rebuliço, mas com o estado do meu coração atualmente, o barulho era um pouco duro com meus ouvidos. Escondendo minhas asas e deixando o resto de mim visível para os humanos, eu entrei na taverna para esperar. Sentando-me ao balcão, essa seria a primeira vez que eu beberia álcool pago com dinheiro humano. Felle va Dous, um drink feito com maçãs destiladas desta região, tinha um sabor refinado para algo do mundo humano. Após um tempo, o sino sobre a porta de entrada soou. Um jovem estava diante da entrada. Aos olhos humanos, ele parecia ter a idade de alguém que finalmente poderia beber. Olhando para seu rosto, que estava tão profundamente gravado em minha memória que doía, eu percebi. Eu realmente fui ingênuo, afinal.
O jovem me viu e, lentamente, ele deu um sorriso efêmero que parecia poder sumir a qualquer momento.
Esse sorriso me lembrava de outro colega que havia perdido antes, fazendo que meu coração se agitasse um pouco.
— Este drink é delicioso, não é?
Após dizer ao dono da loja que tínhamos assuntos confidenciais para discutir, fomos para uma sala privada no segundo andar. O jovem pediu o mesmo Felle va Dous que eu, e bebeu em um gole de forma acostumada. Quando ele disse que era “delicioso”, eu conseguia ver em sua expressão que ele realmente gostava desta “bebida humana”.
— ...Não é ruim.
— A qualidade das maçãs este ano está particularmente boa. Por isso, o álcool também está delicioso.
— Entendo.
— Eu fui para a fazenda para ajudar a colheita desta estação, já que estavam com pouco mão de obra por ter sido uma colheita abundante este ano.
— Este é o seu trabalho?
— Sim... Não é muito, mas eu cuido da terra por aqui. E quanto a você?
— ...Bem, este ano, a fé em demônios está se espalhando rapidamente. Eu fui enviado aqui, para a Região de Tard, para investigar o dano causado pela Honestidade. Eles também estão com pouca mão de obra no Paraíso... Como você sabe, esta região está sob o controle do Gaku. O dano causado aqui foi ainda maior que em Velcant, então pediram que eu viesse ajudar.
— Entendo... Como sempre, as coisas parecem agitadas.
A conversa vaga continuava. Entre os anjos, não deveria haver motivo para se preocupar, mesmo que não tivessem conversado por um ano; afinal, isso mal era tempo para nós.
— ...Já que eu pensei que não conseguiria falar isso direito quando visse seu rosto...
O garoto que estava sentado ao meu lado pegou uma carta de seu bolso. Eu aceitei a carta, que estava belamente selada.
— Eu... não vou mais voltar para o Paraíso.
— ...
— Mas... tenho certeza que você já sabia, pelo jeito que estou agora...
— ...
— E você... ainda veio até aqui... Eu estou muito, muito mesmo...
Antes que conseguisse terminar suas desculpas, eu o aproximei de mim, pressionando seu rosto contra meu peito. Deveria haver tantas formas que eu ainda pudesse salvá-la. Eu só preciso pensar. Ainda havia tempo.
— ...Você acha que eu vim até o campo para ouvir algo assim?
— ...Mas...
Eu senti meu peito ficar frio e pesado. Ele estava chorando em silêncio.
— Diferente do cara que está no comando deste lugar rural, eu não tenho muito tempo a perder. Você deve saber disso.
— ...
— Eu não tenho tanto tempo livre que desistiria das minhas férias apenas para vir ao mundo humano e procurar apenas um subordinado desajeitado.
— Hm, Kaito...
— Por isso... Não faça algo problemático, como descartar o que eu perdi meu precioso tempo procurando... Não ouse.
— ...Mas...
— Eu vou encontrar uma forma de salvá-la, sem falta. Eu não me importo que você continue com essa forma, então...
Eu engoli as palavras que iria dizer. Uma emoção que eu nunca deveria conhecer. Escondendo-a nas profundezas de meu coração, algo que eu deveria fingr não conhecer, como estava fazendo agora, para sempre.
Ela, que se tornou um garoto, chorou em silêncio no meu peito. Anjos não têm gênero definido. Mesmo que sua aparência tenha mudado, a alma dela continuava a mesma.
Eu provavelmente não abriria a carta que recebi dela. Eu apenas queria desviar meu olhar do meu coração, e do dela.
˚ ˚ ˚ ˚ ˚
Eu acordei na manhã com o som da quieta neve.
Conforme a neve se acumulava, fazia um leve bom. Ainda sonolento, eu acendi a luminária sobre a cômoda ao lado da cama. No quarto ainda escuro iluminado em uma cor levemente laranja, ela não estava em lugar algum. Ela deve ter acordado cedo para fazer os preparativos.
No momento em que meus pés tocaram o chão frio, um arrepio percorreu todo o meu corpo, fazendo-me tremer. Parece ter ficado ainda mais frio hoje. Pondo um grosso roupão, eu fui até o toucador para me vestir. Talvez por causa dos drinks de ontem, minha expressão no espelho estava terrível.
— Rin...
Um nome que eu não sou chamada há muito tempo. No espelho havia alguém que se parecia muito comigo — era outra eu. Era óbvio, mas desde que me tornei Len, nunca mais ouvi este nome. Miku havia esquecido que Rin existia. Lily se preocupava com Miku desde que chegou aqui, mas nunca falou sobre Rin — nem sobre o tempo que passamos em Velcant. Até mesmo Kaito, que eu encontrei pela primeira vez em muito tempo, não me chamou por esse nome.
Na manhã do meu aniversário, eu recebi uma carta. A única coisa escrita era “daqui a uma semana, estarei esperando no Bar Gaudente à noite”. Não havia nome nem endereço, mas no momento em que vi a caligrafia elegante, imaginei que deve ter sido Kaito que a enviara.
Nem mesmo eu sabia o que estava sentindo naquele momento. Estava em conflito entre sentir desespero porque o Paraíso havia finalmente me encontrado, ou felicidade por Kaito não ter se esquecido sobre mim... sobre Rin, e esteve me procurando com tudo o que tinha até agora. Embora eu tenha cometido uma traição e descartado tudo pelo bem da minha própria ganância, eu não esperava ser encontrada, mas de certa forma, tinha um pressentimento que as coisas terminariam assim. No fim, eu não consegui dizer o que queria, e parti após entregar a carta para Kaito. Eu escrevi meus sentimentos sinceros naquela carta.
— Sinto muito... Rin.
Parecia um pouco estranho, pedir desculpas a mim mesmo. Rin era minha personalidade antiga, não uma pessoa completamente diferente. Até agora, esta alma era a da Rin.
O que mudou foi apenas o meu corpo.
Desde que me tornei humano, vivi muitas mudanças. Quando era noite, eu sentia vontade de dormir. Sentia fome e comia até estar cheio. Me sentia tocado pelas mudanças nas estações. O tempo passava devagar agora. Eu me sentia solitário quando ficava sozinho... e me sentia muito feliz por ser amado pela pessoa que me era querida.
— Rin... eu não me arrependo de nada disso. Fico feliz de ter me tornado Len... Fico feliz por ser amado pela Miku. Eu estou feliz agora.
Do ponto de vista de outra pessoa, pode ter parecido engraçado ver como eu estava conversando com meu reflexo no espelho.
Esta foi a decisão que eu tomei.
Para mim. Para aqueles que eu traí, e para ela.
Dei palmadinhas nas minhas bochechas para me livrar de meu desânimo. Eu tinha muito a fazer hoje. Já que a neve deve ter ficado alta durante a noite, eu tinha que ajudar as empregadas com a retirada da neve. Após isso, eu comeria o desjejum fresco que Miku preparou para mim, deixaria Lily me vestir com seu novo trabalho... e iria para a cidade para fazer algumas tarefas...
Quando pensei na agenda de hoje, meu humor melhorou um pouco. Parecia que minha habilidade de mudar de humor rápido e pensar positivo não mudou desde que eu era um anjo.
Eu esperava que hoje fosse um bom dia. Me vesti rapidamente, e fui dizer bom dia a ela.


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