Os invernos na
região de Tard eram longos. Diferente de Velcant, onde havia um clima quente
durante todo o ano, a atmosfera das quatro estações nesta região era muito
bela.
Eu
recebi a informação de que Rin estava aqui no pequeno e remoto país de
Calmonde, que ficava na vasta Região de Tard que estava sob o controle e gestão
diretos de Gaku.
Cerca
de um ano se passou desde que o paradeiro de Rin se tornou desconhecido. Para
os anjos, um ano não era muito tempo. Mas, mesmo assim, desaparecer sem nenhuma
explicação era incomum.
Normalmente,
anjos reconhecem as coisas se baseando na energia sagrada de todas as formas
vidas. Por isso, não importa em que parte do mundo ela estivesse, poderia ser
facilmente localizada se eu rastreasse sua energia sagrada. Entretanto, desde
um ano atrás, qualquer traço de sua energia sagrada havia desaparecido. Não
importa o quanto eu procurasse, não conseguia sentir a alma dela em lugar
algum.
Eu
rapidamente procurei pela área onde ela havia batalhado contra um demônio
antes, a residência humana para onde ela foi disfarçada, e disse que minha
unidade procurasse por toda Velcant, mas não encontrei uma pista sequer. Eu
considerei a possibilidade de que sua alma houvesse desaparecido, mas o
relatório de Meiko descartou essa teoria. Ela nos disse que a alma de Rin ainda
não havia desaparecido. Não havia erros em seu relatório, como era uma
cuidadora da Árvore da Vida. Por volta da mesma época, eu recebi uma informação.
Rin
estava aqui no mundo humano.
Nos
arredores da quieta cidade rural havia um bar isolado. Embora a noite tivesse
começado agora, os humanos já estavam bebendo e fazendo barulho. O Bar Gaudente
era a única taverna desta cidade, e parecia lotar tanto de jovens quanto de
adultos que se reuniam aqui nos fins de semana.
Eu
não odiava o rebuliço, mas com o estado do meu coração atualmente, o barulho era
um pouco duro com meus ouvidos. Escondendo minhas asas e deixando o resto de
mim visível para os humanos, eu entrei na taverna para esperar. Sentando-me ao
balcão, essa seria a primeira vez que eu beberia álcool pago com dinheiro
humano. Felle va Dous, um drink feito
com maçãs destiladas desta região, tinha um sabor refinado para algo do mundo
humano. Após um tempo, o sino sobre a porta de entrada soou. Um jovem estava
diante da entrada. Aos olhos humanos, ele parecia ter a idade de alguém que
finalmente poderia beber. Olhando para seu rosto, que estava tão profundamente gravado
em minha memória que doía, eu percebi. Eu realmente fui ingênuo, afinal.
O
jovem me viu e, lentamente, ele deu um sorriso efêmero que parecia poder sumir
a qualquer momento.
Esse
sorriso me lembrava de outro colega que havia perdido antes, fazendo que meu
coração se agitasse um pouco.
—
Este drink é delicioso, não é?
Após
dizer ao dono da loja que tínhamos assuntos confidenciais para discutir, fomos para
uma sala privada no segundo andar. O jovem pediu o mesmo Felle va Dous que eu,
e bebeu em um gole de forma acostumada. Quando ele disse que era “delicioso”,
eu conseguia ver em sua expressão que ele realmente gostava desta “bebida humana”.
—
...Não é ruim.
—
A qualidade das maçãs este ano está particularmente boa. Por isso, o álcool
também está delicioso.
—
Entendo.
—
Eu fui para a fazenda para ajudar a colheita desta estação, já que estavam com
pouco mão de obra por ter sido uma colheita abundante este ano.
—
Este é o seu trabalho?
—
Sim... Não é muito, mas eu cuido da terra por aqui. E quanto a você?
—
...Bem, este ano, a fé em demônios está se espalhando rapidamente. Eu fui
enviado aqui, para a Região de Tard, para investigar o dano causado pela
Honestidade. Eles também estão com pouca mão de obra no Paraíso... Como você sabe,
esta região está sob o controle do Gaku. O dano causado aqui foi ainda maior que
em Velcant, então pediram que eu viesse ajudar.
—
Entendo... Como sempre, as coisas parecem agitadas.
A
conversa vaga continuava. Entre os anjos, não deveria haver motivo para se
preocupar, mesmo que não tivessem conversado por um ano; afinal, isso mal era
tempo para nós.
—
...Já que eu pensei que não conseguiria falar isso direito quando visse seu
rosto...
O
garoto que estava sentado ao meu lado pegou uma carta de seu bolso. Eu aceitei
a carta, que estava belamente selada.
—
Eu... não vou mais voltar para o Paraíso.
—
...
—
Mas... tenho certeza que você já sabia, pelo jeito que estou agora...
—
...
—
E você... ainda veio até aqui... Eu estou muito, muito mesmo...
Antes
que conseguisse terminar suas desculpas, eu o aproximei de mim, pressionando
seu rosto contra meu peito. Deveria haver tantas formas que eu ainda pudesse
salvá-la. Eu só preciso pensar. Ainda havia tempo.
—
...Você acha que eu vim até o campo para ouvir algo assim?
—
...Mas...
Eu
senti meu peito ficar frio e pesado. Ele estava chorando em silêncio.
—
Diferente do cara que está no comando deste lugar rural, eu não tenho muito
tempo a perder. Você deve saber disso.
—
...
—
Eu não tenho tanto tempo livre que desistiria das minhas férias apenas para vir
ao mundo humano e procurar apenas um subordinado desajeitado.
—
Hm, Kaito...
—
Por isso... Não faça algo problemático, como descartar o que eu perdi meu
precioso tempo procurando... Não ouse.
—
...Mas...
—
Eu vou encontrar uma forma de salvá-la, sem falta. Eu não me importo que você
continue com essa forma, então...
Eu
engoli as palavras que iria dizer. Uma emoção que eu nunca deveria conhecer.
Escondendo-a nas profundezas de meu coração, algo que eu deveria fingr não
conhecer, como estava fazendo agora, para sempre.
Ela,
que se tornou um garoto, chorou em silêncio no meu peito. Anjos não têm gênero
definido. Mesmo que sua aparência tenha mudado, a alma dela continuava a mesma.
Eu
provavelmente não abriria a carta que recebi dela. Eu apenas queria desviar meu
olhar do meu coração, e do dela.
˚ ˚ ˚ ˚ ˚
Eu
acordei na manhã com o som da quieta neve.
Conforme
a neve se acumulava, fazia um leve bom. Ainda sonolento, eu acendi a luminária sobre
a cômoda ao lado da cama. No quarto ainda escuro iluminado em uma cor levemente
laranja, ela não estava em lugar algum. Ela deve ter acordado cedo para fazer
os preparativos.
No
momento em que meus pés tocaram o chão frio, um arrepio percorreu todo o meu
corpo, fazendo-me tremer. Parece ter ficado ainda mais frio hoje. Pondo um
grosso roupão, eu fui até o toucador para me vestir. Talvez por causa dos drinks de ontem, minha expressão no espelho
estava terrível.
—
Rin...
Um
nome que eu não sou chamada há muito tempo. No espelho havia alguém que se
parecia muito comigo — era outra eu. Era óbvio, mas desde que me tornei Len,
nunca mais ouvi este nome. Miku havia esquecido que Rin existia. Lily se
preocupava com Miku desde que chegou aqui, mas nunca falou sobre Rin — nem
sobre o tempo que passamos em Velcant. Até mesmo Kaito, que eu encontrei pela
primeira vez em muito tempo, não me chamou por esse nome.
Na
manhã do meu aniversário, eu recebi uma carta. A única coisa escrita era “daqui
a uma semana, estarei esperando no Bar Gaudente à noite”. Não havia nome nem
endereço, mas no momento em que vi a caligrafia elegante, imaginei que deve ter
sido Kaito que a enviara.
Nem
mesmo eu sabia o que estava sentindo naquele momento. Estava em conflito entre sentir
desespero porque o Paraíso havia finalmente me encontrado, ou felicidade por
Kaito não ter se esquecido sobre mim... sobre Rin, e esteve me procurando com
tudo o que tinha até agora. Embora eu tenha cometido uma traição e descartado
tudo pelo bem da minha própria ganância, eu não esperava ser encontrada, mas de
certa forma, tinha um pressentimento que as coisas terminariam assim. No fim, eu
não consegui dizer o que queria, e parti após entregar a carta para Kaito. Eu
escrevi meus sentimentos sinceros naquela carta.
—
Sinto muito... Rin.
Parecia
um pouco estranho, pedir desculpas a mim mesmo. Rin era minha personalidade
antiga, não uma pessoa completamente diferente. Até agora, esta alma era a da Rin.
O
que mudou foi apenas o meu corpo.
Desde
que me tornei humano, vivi muitas mudanças. Quando era noite, eu sentia vontade
de dormir. Sentia fome e comia até estar cheio. Me sentia tocado pelas mudanças
nas estações. O tempo passava devagar agora. Eu me sentia solitário quando
ficava sozinho... e me sentia muito feliz por ser amado pela pessoa que me era
querida.
—
Rin... eu não me arrependo de nada disso. Fico feliz de ter me tornado Len...
Fico feliz por ser amado pela Miku. Eu estou feliz agora.
Do
ponto de vista de outra pessoa, pode ter parecido engraçado ver como eu estava
conversando com meu reflexo no espelho.
Esta
foi a decisão que eu tomei.
Para
mim. Para aqueles que eu traí, e para ela.
Dei
palmadinhas nas minhas bochechas para me livrar de meu desânimo. Eu tinha muito
a fazer hoje. Já que a neve deve ter ficado alta durante a noite, eu tinha que
ajudar as empregadas com a retirada da neve. Após isso, eu comeria o desjejum
fresco que Miku preparou para mim, deixaria Lily me vestir com seu novo
trabalho... e iria para a cidade para fazer algumas tarefas...
Quando
pensei na agenda de hoje, meu humor melhorou um pouco. Parecia que minha
habilidade de mudar de humor rápido e pensar positivo não mudou desde que eu
era um anjo.
Eu
esperava que hoje fosse um bom dia. Me vesti rapidamente, e fui dizer bom dia a
ela.
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