quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Himitsu ~Kuro no Chikai~ [Capítulo 4, Parte 3 - Flecha do Julgamento]


Eu andei lentamente pela floresta coberta de neve. Meus arredores eram um panorama completamente cheio de neve; os galhos das árvores coníferas que formavam esta bela floresta também estavam cobertos de branco. Embora estivesse nevando, a luz do sol ainda estava intensa. Este tipo de cenário seria raro em Alphine, mas eu já me acostumei com isso agora, e sentia que conseguia andar mais rápido nas ruas cobertas de neve. Minha habilidade de adaptação a mudanças nos arredores era bem alta por ter precisado desenvolvê-la enquanto crescia.

No início, eu senti um choque cultural, mas agora já havia me acostumado a viver aqui até mais que Len, que já vive aqui há um bom tempo. Quando ele disse que nunca saiu durante o inverno, parecia que ele estava falando a verdade. O dia em que andamos nas ruas cobertas de neve pela primeira vez juntos ainda estava fresco na minha memória. Sem conseguir se equilibrar muito bem, ele caiu diversas vezes, e embora eu não estivesse mais acostumada a andar na neve que ele, eu o puxei pela mão todas as vezes em que ele caiu. Quando eu me lembrei da expressão chocada que ele fazia sempre que caía, não conseguia evitar sorrir. Após tentar o que seria como “deslizar”, ele tentou várias formas diferentes de andar, mas acabava caindo em todas elas. Ele era uma pessoa estranha; enquanto era inocente e um pouco infantil, havia muitas vezes em que ele dava a impressão de ser muito mais maduro e intelectual que eu era. E enquanto continuava mantendo essa aparência, sua personalidade escondia um charme estranho que ganhava afeição tanto das empregadas quanto das pessoas das cidades próximas.
Eu esperava que ele fosse voltar logo para casa... Desde anteontem, Len foi à capital. Supostamente, era a trabalho relacionado às terras por aqui, e alguns negócios pessoais. Ele trabalhava como um nobre que governava estas terras, mas já que não interagia com muitos nobres com frequência, ele praticamente encontrava apenas os aldeões a trabalho.
Antes de muito tempo, eu notei que a igreja havia surgido em minha vista. Talvez por estar perdida em meus pensamentos enquanto andava até aqui, senti que cheguei aqui em um piscar de olhos. Levou cerca de trinta minutos para andar da mansão até esta igreja, que era a mais próxima. Localizada ao lado da rua que ligava a floresta à cidade, sempre que havia algum evento na cidade, acontecia nesta igreja. Já que não havia particularmente nada acontecendo hoje, não tinha ninguém por perto. Eu empurrei as portas da capela, que estavam cobertas por uma grossa neve.
— Hum, com licença...
A construção que eu espiei estava vazia. Geralmente, as freiras ficam por aqui. Elas saíram agora? Ainda era um pouco cedo para ser chamado de noite. Iluminada por inúmeras velas, a sala dava uma atmosfera de sonho. Eu me aproximei do altar, me ajoelhei, e juntei minhas mãos. Desde muito antes, o tempo que eu passava com Deus sempre acalmava meu coração. De repente, eu ouvi o som da porta se abrindo atrás de mim. Alguma das freiras voltaram?
— Irmã?
Eu não conseguia ver muito bem de onde eu estava por casa da luz lá fora brilhando atrás. Não houve resposta, então talvez seja um dos aldeões que vieram rezar. Eu tentei me aproximar um pouco, e quando o fiz, a figura que estava apoiada contra a porta veio ao meu encontro, e bateu um par de asas enormes.
Asas... Completamente brancas, com uma aparência de dignidade... era um anjo. Eu estava tão chocada que não conseguia falar.
— ...Você terminou suas preces?
Sua voz baixa ecoou no teto alto. Meu corpo inteiro ficou paralisado diante desta conduta digna.
— ...Um... um anjo...?
— Correto. Entretanto, não há por que ficar alarmada. Há um próximo de você, não é?
— Hã...?!
Eu não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Eu nunca havia visto um anjo antes. Já que meu pai costumava contar histórias sobre anjos e demônios na hora de dormir, eu tinha uma grande fé em Deus, mas nunca havia O visto antes. Ainda assim, da forma que ele estava dizendo, um anjo esteve sempre em algum lugar próximo a mim. Era o que parecia. Sem conseguir entender, eu só conseguia encarar esta presença opressora.
— ...Você não se lembra? Bem, não importa. Eu tenho algo mais importante para lhe dizer.
Com isto, o anjo parou em seus pensamentos, com suas sobrancelhas curvas em desprazer, como se estivesse batalhando para encontrar as palavras certas. O que ele poderia ter para me dizer? Mas, se um anjo aparecesse e dissesse que tem algo importante a passar, eu só conseguia pensar um uma coisa. Um oráculo. Especialmente para aqueles próximos da morte.
— ...Hum... Eu... Eu sinto muito!
Confusa, estas foram as primeiras palavras em que pensei. Eu não poderia esconder nada diante de um anjo, os mensageiros de Deus.
— Eu... até agora, fiz muitas coisas erradas. Eu traí minha cidade natal, minha mãe e meu noivo... Tudo por minha própria felicidade, eu fui egoísta e dei as costas a tantas coisas!
— ...É mesmo? Humanos são criaturas cheias de ganância. É de sua natureza abandonar e trair os outros por seus próprios desejos. Você não é a única.
— Mas...
— Ouça. Eu não vim fazê-la se arrepender.
— Hã?
Aumentando o franzir de suas sobrancelhas, o anjo continuou, como se houvesse decidido.
— Neste ritmo, você não poderá ser salva. O mesmo vale para ele. O Paraíso não pode perdoá-lo; eles não irão fazer vista grossa para suas ações.
— ...!
Quem ele queria dizer com “ele”? Mas... se eu pensasse em alguém que não poderia ser perdoado, só havia uma pessoa que surgia em minha mente.
— Len! Ele... O Len vai ser punido pelo Paraíso?
— ...Tsk. Sim... As coisas que ele fez também são um tabu imperdoável. Não há como escapar disso.
— Não... não pode ser...
— Mas, só tem uma forma. Uma forma que tanto ele quanto você podem ser salvos.
— Por favor! E-eu farei qualquer coisa! Não importa quanto sofrimento seja... Então, por favor, me diga.
— Entendo. Então irei lhe dizer... Esqueça sobre ele e volte para sua própria casa.
— ...O quê?
— Ainda há tempo. Antes que eles descubram que ele ainda está vivo nestas terras, acabe com toda evidência e volte as coisas a como eram antes. Se você fizer isso, você também poderá manter sua vida.
— O que... quer dizer?
Eu não conseguia entender o que o anjo estava dizendo. Fazer as coisas voltarem a ser como antes? Mas para onde? O pecado de trair tudo e escapar — era um crime punido com a morte no Paraíso? Ou ele cometeu um pecado ainda maior antes de nos conhecermos?
— O simples fato de vocês dois estarem juntos é um tabu. Por isso estou dizendo para destruir todas as evidências, antes que o crime seja julgado. Entende agora?
— Crime... Mas...
— O tempo é limitado. Enquanto você está parada aí, eles podem descobrir, e tudo será perdido.
O anjo estava olhando para mim com um pouco de irritação agora. O que ele queria dizer com o tempo ser limitado? Eu tentei organizar os pensamentos em minha mente agitada. Este anjo iria levar Len para o Paraíso por seus pecados. Isso significa que ele seria salvo, quando deveria ir para o Inferno? Mas isso significaria que eu seria a única salva — a única que ainda estaria na Terra. Mesmo que... mesmo que ambos tenhamos a culpa.
— Eu... Eu me recuso...!
— O que você disse...?
— Por favor... Por favor, não leve o Len! Eu imploro... eu também sou culpada! Se ele será punido, então puna nós dois!
Eu barganhei com minha cabeça curvada para baixo. Eu não me importava com o que acontecesse comigo. Se eu pudesse estar com o Len... Se pudéssemos continuar juntos, qualquer punição, não importa o quão cruel, seria tolerável.
— Eu... Se eu o perder... Então eu não terei nada!
— ...!
— Ele... me mostrou a liberdade. Naquele dia... ele foi quem permitiu que eu renascesse. Graças a ele, eu pude ver como a vida é agradável... Se ele partir, então eu... eu não tenho motivo para viver!
Ele me encarou profundamente. Era imaginação minha, ou uma sombra de tristeza passou por seus olhos?
— ...Você não entende nada. Você acha... que ele deseja o mesmo? De verdade?
— ...!
Em um segundo, meu coração se abalou. É verdade. O que o Len iria querer? Como o anjo disse, se nos separássemos, poderíamos salvar um ao outro... e evitar qualquer punição. Não é natural acreditar nas palavras de um anjo, o mensageiro de Deus? Se Len estivesse aqui agora, o que ele diria? Mas, mesmo assim, eu...
— Ainda assim, eu não quero me separar dele. Porque...
Eu tentei me lembrar — o pouco tempo que passei com ele. Desde vir para Tard, todos momentos cheios de um calor gentil.
Se você ficar para sempre ao meu lado, isso é o bastante. Eu não preciso de mais nada.
Essas foram as palavras que ele disse; elas significavam muito para mim. E eu também sentiria o mesmo, para sempre.
— Porque eu o amo.
— ...!
— E ele também... Ele também me ama, do fundo de seu coração. Mesmo sem perguntar, eu sei disso.
Que coisa espantosa, ir contra o mensageiro de Deus... Mesmo com todo o seu esforço de vir e nos dizer uma forma para sermos salvos... Eu estava com tanto medo que minhas pernas estavam tremendo. Mesmo assim, se ele continuar ao meu lado... Sorrindo, o anjo fez uma expressão de quem está profundamente ferido.
— Neste caso, eu não tenho escolha... Por este pecado, devo fazê-la compensar com sua própria vida.
— Ah...

Bang

Eu ouvi o som seco de um disparo. Meus arredores lentamente ficaram distorcidos e afundavam em câmera lenta. Não, era eu que estava afundando...
˚ ˚ ˚ ˚ ˚
Agora era o fim da tarde. Eu disse que retornaria à noite, mas pensando em vê-la o mais rápido possível, eu apressei meus passos. Já fazia um tempo que eu fui para a capital, e após terminar rapidamente meu trabalho na área urbana, andei pela cidade, indo de uma joalheria para a próxima. No dia anterior, quando eu secretamente consultei Lily, ela educadamente me disse o tamanho do anel da Miku e preferências. Era em momentos como esse que eu queria expressar minha profunda gratidão por seu talento. Eu tentei procurar um anel belo e elegante que combinaria com a mão linda e suave da Miku.
Após uma longa procura, a última loja que eu fui tinha uma atmosfera antiga. Enquanto olhava a vitrine sem muitas expectativas, eu encontrei exatamente o que estava procurando, e alegremente fiz a compra. A dona da loja deve ter se encantado com o sorriso que eu tinha no rosto a todo o momento, e enquanto embrulhava o anel, me perguntou cada detalhe sobre a pessoa para quem eu iria dá-lo.
— Que sortuda ela é, receber um anel de um namorado tão amável. É um anel de noivado?
Ouvindo algo assim, eu descaradamente disse que eu era o sortudo, e embora tenha acabado de conhecer a dona da loja, acabei me gabando da relação entre Miku e eu, A dona da loja gentilmente me disse para voltar novamente quando quisesse, e eu deixei a loja de bom humor.
Enquanto eu continuava a andar pelo caminho coberto de neve, minhas bochechas descobertas rapidamente ficaram frias. Passando pelos portões da mansão, eu entrei pela porta da frente. O interior estava quente, e eu lentamente senti o calor voltar aos meus pulmões congelados.
— Ah, mestre Len, bem-vindo!
— Olá, Lily.
Quando eu tirei meu casaco e tirei a neve dele na entrada, Lily logo veio me cumprimentar.
— ...E então! Conseguiu encontrar? O item necessário!
— ...! Ei! E se alguém ouvir?
— E daí? Você vai dar a ela de qualquer forma, não é? Então eu não vejo o problema.
— É verdade, mas... Ah, falando nisso, onde está a Miku?
Eu queria mostrar logo o anel para ela e que ela usasse. Na verdade, eu também pratiquei como fazer o pedido quando consultei Lily antes, então eu estava completamente preparado.
— ...Ah! Pensando nisso, a Miku não voltou desde que foi para a igreja esta tarde.
— Hã?
— Vocês dois sempre vão à igreja no domingo, correto? Mas hoje, ela foi sozinha.
— Entendo... Mas já está tarde agora.
O sol já estava se pondo. Talvez eu possa tirar vantagem desta oportunidade e dar o anel a ela na igreja — seria um clima ótimo.
— Eu vou procurá-la.
— Minha nossa, mas você acabou de chegar.
Eu coloquei meu casaco novamente, e rapidamente me aprontei.
— Por favor, voltem a tempo do jantar! Tenha cuidado!
Eu me despedi de Lily e rapidamente segui o caminho coberto de neve que dava até a floresta. Eu tive que correr para chegarmos de volta à mansão antes da noite. Ela ficaria feliz de receber este anel e ouvir meu pedido? Ainda animado e em um ritmo mais rápido que antes, eu fui até a igreja onde a Miku estava.

Tudo o que eu pude ouvir era o som da neve sob meus pés. A neve continuava a cair em uma velocidade estável, apagando minhas pegadas tão rapidamente quanto eram feitas. E então, de repente, embora não houvesse mais ninguém na floresta além de mim, eu senti um desconforto. No meio do panorama nevado, toda a energia fluía em silêncio. Por isso eu era capaz de sentir as menores presenças ou mudanças no fluxo mais apuradamente que o normal. Mesmo que meus sentidos tenham diminuído grandemente desde que renasci como humano, eu sabia imediatamente quando seres com presenças fortes, como anjos ou demônios, estavam próximos.
— ...Quem está aí?
Eu me virei para olhar para o caminho pelo qual vim, encarando as árvores. Eu não conseguia ver ninguém. Mas, eu já senti essa presença antes. Fiquei em silêncio, sem fazer o mínimo barulho.
— Ah! Parece que meu disfarce está arruinado. Sua intuição está bem melhor que antes, não é?
Dizendo isto, o demônio de cabelos vermelhos que eu havia confrontado antes surgiu das sombras de uma árvore. Todos os músculos de minhas costas se tensionaram.
— Relaxe. Eu não vou fazer nada.
— ...
— Por outro lado, você mudou muito desde a última vez que a vi.
— ...
— Antes, eu nunca imaginava que você se tornaria um humano... e um homem, além disso. Ah, mas você era um anjo tão fofo! Que desperdício!
— Era só isso que você queria dizer?
— Hm? Isto é incomum. Quando eu a provocava antes, você ficava esquentadinha e falava “quieto!” ou “cale-se!”. Em termos de personalidade, você parece ter ficado mais madura, hm?
O demônio falou na mesma maneira de sempre, e lentamente se aproximou de mim enquanto falava. Ele disse que não faria nada, então continuei parado.
— Oh? Então você não vai correr?
— Você disse que não faria nada. Além disso, você está interessado pela Rin, não é? Não por mim.
— ...Hah. Você arruína o clima, francamente... Eu não tenho interesse em caras, mas já que seu rosto ainda é exatamente o mesmo da jovem Rin... Bem, acho que é óbvio. Falando nisso...
Eu fiz contato visual com o demônio que andou até mim. Seus lábios formavam um sorriso relaxado.
— Há algo que eu queria perguntar. Eu pensei em perguntar após aquele dia, mas você desapareceu. Foi um problema te localizar, sabia? A velha foi teimosa e não queria me falar, também, então não tive escolha senão seguir aquele anjo carrancudo, e quando eu fiz isso... Bingo!
Por “anjo carrancudo”, ele deve estar falando do Kaito. Conseguir seguir o Kaito sem ser notado, parece que ele não era um demônio qualquer, afinal. O demônio lentamente estendeu sua mão, e tocou minha orelha esquerda com uma grande unha.
— Ei, sobre este brinco em sua orelha esquerda... onde você conseguiu ele? Você usava em sua orelha direita, não é?
— ...Não tenho a obrigação de dizer.
— Ah, vamos... Eu que a ajudei a cair, hm? Por que não pode me dizer, hã? Ou... É porque você tem algo a esconder?
— ...
— ...Não consegui, não é? Então, me pergunto se você vai continuar assim após ver isto.
O demônio pegou algo de seu bolso e estendeu para mim. Era um brinco pequeno no formato de uma cruz. O mesmo que eu usava em minha orelha esquerda agora. Sim, era—
— ...! On-onde você conseguiu isso?!
— Hmm... Não vou dizer.
— O quê?1
— Afinal, você também não me disse. Estamos quites.
— ...Tsk. Certo. Eu digo. Foi... dado por um anjo que era meu parceiro. Eu usava na orelha direita... mas agora coloquei na esquerda. Porque ouvi que a maioria dos homens humanos usam brincos na orelha esquerda.
—Oh! Entendo... Então, deixe-me perguntar outra coisa. Esse anjo... Onde ele está agora?
— Eu... não sei.
— Hmmm.
— E então? Por que você tem um brinco exatamente como o meu?!
— ...Eu recebi o meu quando era um demônio minúsculo... Do anjo que você mencionou. Embora já tenha se passado trezentos anos.
— ?
Quando eu “o” encontrei, desde a primeira vez que fomos parceiros, ele sempre usava apenas um brinco. Então, isso significa que há muito tempo, antes mesmo que eu nascesse, este demônio recebeu o outro brinco dele?
— Então isso significa que nós dois recebemos um lado do mesmo par de brincos do mesmo cara, hã?
— Por que ele lhe deu isso? Estes brincos são difíceis de conseguir mesmo para anjos seniores. É algo que só é dado para aqueles com conquistas especiais no Paraíso! Então, por que você tem isso? Qual a sua ligação com ele?! Não me diga... foi você que...
— ...Você não mudou nada, não é? Você fica esquentadinha tão fácil!
No dia em que “ele” abandonou o Paraíso, sua presença não foi encontrada no mundo humano. Mesmo no período em que eu procurei com os outros anjos, não conseguimos encontrar nenhuma pista. E, este demônio... Se este demônio soubesse o segredo por trás da queda dele, então...
— Eu pensei que finalmente havia conseguido algumas pistas, mas... parece que estou de volta à estaca zero, hã? Francamente, eu vou ficar cansado de andar em círculos... Me pergunto se ele já morreu.
— O quê? Por que você está procurando “ele”? Você é um demônio, não é?
— Eu disse antes, não é? Não me importo se é um anjo, ou demônio ou humano ou o que for. Eu só tenho algo que quero dizer a ele...
— Algo... que você quer dizer a ele?
— Você deve saber o que está acontecendo recentemente pelos jornais ou alguma outra fonte, não é? Vai começar em breve... A Guerra do Paraíso.
— ...! Você quer dizer—
— Opa, você não vai ouvir mais de mim. E, de qualquer forma, isto não tem nada a ver com você, um humano, não é? Quero dizer, o que acontece entre anjos e demônios.
Com um bater de asas, o demônio voou. A neve que estava empilhando em suas asas negras caiu facilmente.
O demônio mencionou uma guerra. Em outras palavras, os demônios que aumentaram seu poder através da fé neles devem ter conseguido pensar em um plano em grande escala. Usando Honestidade, sua técnica de lavagem cerebral, eles estavam ganhando poder de devotos e humanos fortes. Ultimamente, eu notei que as notícias dos danos até aqui em Tard aumentam a cada dia, mas não imaginava que a situação havia ficado tão séria.
Eu tinha que avisar a Kaito o mais rápido possível.
Houve um baque quando a neve caiu de uma árvore próxima. Meus pensamentos confusos voltaram à realidade com o som. Exatamente; agora, eu era Len, o humano. Não Rin, o anjo. Eu não possuía mais o poder de lutar como um deles. Apenas agora eu percebi que os demônios estavam continuando a reservar poderes demoníacos manipulando os humanos com Honestidade. Todo esse tempo, eu estive apenas me enganando, dizendo que não tinha nada a ver comigo porque eu era um humano, porque não podia lutar.
Depois que fiquei atordoado por um tempo, finalmente me acalmei e voltei aos meus sentidos. O que eu precisava recuperar agora era minha amada, que estava demorando a voltar para casa.
E, de qualquer forma, Kaito com certeza me veria de novo. Eu contaria a informação que ouvi do demônio ruivo nessa hora. E sobre “ele”, também. Kaito me disse que manteria minha vida em segredo daqueles no Paraíso, mas era apenas uma questão de tempo até que descobrissem. Por isso eu queria fazer o que pudesse por ela agora. Eu apertei a caixa que deixei em meu bolso esquerdo. Como ela reagiria quando eu lhe desse o que estava nesta caixa e dissesse as palavras? Ela ficaria feliz? Agora, eu viveria penando apenas nestas coisas.
Este foi o caminho que eu escolhi. Com uma leve culpa pesando em meu peito, eu rapidamente caminhei.
A silenciosa capela era iluminada pelo brilho de numerosas velas, e embora o sol estivesse se pondo, aqui estava claro como o dia. As flores que belamente decoravam o altar eram brancas cristalinas, como a neve lá fora. Qual era esta flor? Eu não conseguia lembrar o nome. Eu sentia que alguém havia me dito que era uma flor muito rara.
Enquanto eu vagamente pensava sobre essas coisas insignificantes, estava parado na cena que se desdobrava diante de meus olhos. No momento em que a encontrei manchada de vermelho, minhas pernas pararam de se mover, como se houvessem congelado. Minha animação de alguns minutos atrás desapareceu como se houvesse sido uma mentira.
Lentamente, eu me movi para a frente, um passo de cada vez. Eu estava com medo, e não conseguia mover minhas pernas muito bem. Eu já havia me acostumado a andar com estas pernas humanas, mas nestes momentos cruciais, meu corpo não funcionava.
Eu lentamente andei para o lado dela, e finalmente cheguei. A caminhada foi excruciantemente longa, fazendo um segundo parecerem dez minutos ou até mesmo uma hora. Com uma flor profundamente vermelha no lado esquerdo de seu peito, ela estava paralisada. Seu rosto estava pacífico, como se ela estivesse dormindo. Eu aproximei seu corpo do meu.
— Miku...
Não houve resposta. E não haveria uma. Seu coração já havia parado há muito tempo.
— Miku... estou implorando... Por favor... abra os olhos...
Eu sussurrei em seu ouvido, mesmo que ela não conseguisse ouvir. Quando eu era um anjo, estava acostumado a ver em meus trabalhos os humanos gravados na Lista de Ascensão e a guiar suas almas ao Paraíso. Nestes momentos, aqueles que estavam em luto que eram deixados para trás geralmente ficavam ao lado da pessoa que havia morrido. Eu já estive nesta situação diversas vezes, e já deveria estar acostumado a isso. Mas, as emoções que tinha em meu peito agora eram incomparáveis a qualquer memória do passado, me tomando de desespero, ira e tristeza.
— É tudo... minha culpa... Tudo isso.
Naquele dia, se eu não tivesse ido ao casamento dela, fingindo ser uma coincidência. Se eu não me segurasse a essa pequena esperança, e não tivesse a encontrado... Talvez as coisas não teriam terminado assim. Eu senti que seria esmagado pela culpa e erros que não poderia consertar. Eu deveria saber. Desde o dia em que encontrei Kaito de novo. Não, até mesmo antes disso — desde que me tornei um Anjo Caído, e decidi viver minha vida como um humano. Tudo isto aconteceu por causa de meu desejo egoísta.
Eu queria me tornar humano. Me tornar um humano e viver com ela. Eu queria satisfazer a tristeza dela com o meu amor. E então, talvez, se ela pudesse me amar também... Era só o que eu desejava.
Para isso, eu deixei tantas coisas insubstituíveis de lado. Meus gentis colegas, meu superior cuidadoso, minha missão de orgulho como um anjo e eu mesma. Eu passei tantas noites em claro me arrependendo de tudo o que havia abandonado, mas todas as vezes, eu era confortado pelo sorriso dela. Não importa quão terrível eu me sentisse à noite, quando a manhã chegasse e eu visse seu sorriso, poderia me animar. Se ela estivesse ao meu lado — estes sentimentos que eu transmiti a ela em tantas ocasiões não foram mentiras.
— Tudo o que eu lhe disse aquele dia era verdade.
Embora eu ache que você não se lembra mais. Quando eu ainda era Rin, eu fiz uma promessa para você no dia em que revelei minhas verdadeiras intenções pela primeira vez. Eu fiz os votos para sempre estar ao seu lado e protegê-la. Embora você deva ter achado que era apenas uma benção angelical ou algo assim. Eu fiz meus votos... Ao ponto de me rebelar contra Deus.
— Por isso, eu vou protegê-la.
Eu cortaria meu contrato com as trevas e liberaria meus poderes de anjo novamente.
Murmurando o feitiço para finalizar o contrato, as trevas desapareceram, e a energia sagrada suprimida tomou meu corpo. A lei do Paraíso dizia que uma pessoa que cometeu um pecado poderia ser punida por ele apenas uma vez. Se esta era a “punição” que ela recebei, então sua vida não poderia mais ser um alvo daqueles no Paraíso. Eu não tinha escolha senão acreditar nisto.
— ...Eu vou acordá-la agora, aguente um pouco mais...
Eu lentamente a levantei e a trouxe aos meus lábios. Usando todo o meu poder sagrado como anjo, eu traria sua alma de volta. De todos os tabus, reviver os mortos era o maior crime. O preço que eu pagaria seria minha própria alma.
Suas memórias já foram perdidas como compensação para meu contrato com o demônio. Mais que tudo, eu temia que ela pudesse me odiar quando suas memórias retornassem, e que ela soubesse de tudo o que eu fiz.
˚ ˚ ˚ ˚ ˚
Quando voltei a mim, tudo ao meu redor estava envolto em uma luz ofuscante.
O que aconteceu comigo? Se me lembro bem, eu encontrei um anjo de cabelos azuis...
Nós conversamos.
Eu recusei seu conselho.
E ele ficou com raiva, e pegou uma arma...
Eu...
Aquilo foi um sonho...?
Com minha visão ainda nublada, lentamente abri minhas pálpebras pesadas. Diante de mim, sorrindo gentilmente estava...
— Bom dia.
Eu já havia visto o seu sorriso em algum lugar antes.
Eu já havia ouvido sua voz antes.
Esta sensação, que eu não sentia há muito tempo... Por algum motivo, não parecia ter sido há muito tempo. É porque...
Sim. É claro. Esta garota era...
— Você estava dormindo tão pesado, pensei que você nunca acordaria.
— Ri... n...?
— ...
— Rin... É você, Rin...?
— ...Sinto muito por enganá-la por todo esse tempo. Parece que suas memórias voltaram. Você está bem?
Minha cabeça estava girando, como se estivesse sendo engolida por uma corrente. Os fragmentos de memórias que eu havia esquecido estavam voltando. As preciosas memórias de todos os dias alegres que eu passei com ela — com Rin. Por que eu esqueci essas memórias preciosas até agora? Eu deveria ter notado quando o encontrei... Len, que era exatamente igual a Rin.
No dia do meu casamento, Rin se tornou Len e veio me salvar... Por que eu não percebi até agora? Naquele dia, quando Rin me confortou quando eu chorei, prometendo que sempre estaria ao meu lado para me proteger — como eu só pude perceber agora que ela estava mantendo esta promessa por todo esse tempo?
Quando olhei para meu corpo, vi que havia traços de sangue aqui e ali. Então não foi um sonho; eu realmente fui baleada por aquele anjo. — Sim, eu tenho certeza que fui baleada. Então, por que eu estava aqui agora, como se nada tivesse acontecido?
— Eu tenho que ir agora.
— Hã...?
— Miku...
Eu fui envolta em um aroma gentil e familiar. Rin estava me abraçando com tanta força que doía.
— Sou muito feliz por tê-la conhecido, Miku.
— Rin...
— Eu sou muito feliz... por poder tê-la amado.
— ...? Eu... também te amo, Rin... hum, Len...?
— Ha ha. Não importa como você me chamar. Porque eu não vou mudar... Mesmo que minha aparência mude, meus sentimentos continuarão sempre os mesmos...
— ...! Eu... eu sinto o mesmo. Se Rin for Len, ou Len for Rin… eu ainda te amo da mesma forma.
— Miku... Eu sou muito feliz. Me sinto salva por essas palavras...
— Rin...
— Obrigada por tudo. Eu te amo.
De repente, uma luz ofuscante se espalhou ao meu redor. A pessoa que estava me segurando gentilmente sorriu com o sorriso mais lindo e chorou.
— Ah!
Ela estava ficando transparente. Enquanto emitia um fraco brilho, seu corpo... estava desaparecendo.
— Não... não pode ser... Rin!
Com suas palavras finais, a luz desapareceu.
— Rin?
Não importa o quanto eu chamasse, não havia uma resposta.
— Rin? Len!
Foi então que eu vi algo pelo canto de meus olhos. No lugar onde ela estava alguns momentos antes, havia uma única pena negra e uma caixa pequena.
— Uma pena...? Uma pena... negra?
As penas dos anjos deveriam ser brancas. As de Rin também eram um belo branco. Eu tenho certeza... Então por que havia uma pena preta aqui...?
Eu lentamente estendi minha mão até a caixa e a abri. Dentro, havia um belo anel com uma flor branca. Era o mesmo modelo do que ela conseguiu para mim naquela vez na tenda de tiro ao alvo à distância. No interior do anel havia uma frase. Eram palavras de amor.
Sempre... Agora e para a eternidade, eu estarei ao seu lado para protegê-la.
Sempre... De fato, sempre, mesmo quando eu esqueci, você esteva lá para mim, Rin.
Se você ficar para sempre ao meu lado, isso é o bastante. Eu não preciso de mais nada.
Era o mesmo para mim... Len. Eu fui muito feliz por estar com você... eu não precisava de mais nada... nada mesmo...
Algo quente e úmido escorreu por minhas bochechas. Elas se recusavam a parar, continuando a fluir até que esta pequena igreja eventualmente fosse engolida por elas.


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