A gentil
luz do sol iluminou um único galho da Árvore da Vida. Como uma fonte de energia sagrada, os anjos
frequentemente descansavam aqui. Rin se alongou em um alho pequeno nas sombras,
descansando um pouco. Ultimamente, estavam bem ocupados no Paraíso.
Já fazia
um ano desde que a investigação sobre fé em demônios começou na Região de
Velcant. Incapaz de encontrar alguma informação útil até agora, as unidades postas
na missão continuaram a vigiar sem para o mundo humano diariamente. Em
particular, a unidade de Kaito, que tinha Velcant sob sua guarda, era a mais
agitada.
Embora
ela soubesse que teria que se afastar da investigação hoje de novo, por algum
motivo, ela não conseguia encontrar a motivação. Já estava assim há um tempo.
Não importa o que fizesse, ela acabava se distraindo e olhando para o céu, e
preocupando Kaito e os outros membros de sua unidade, e até mesmo a equipe mais
despreocupada do Paraíso, Gaku e Gumi. Contudo, em um momento desses, a
intuição deles era bem afiada, de alguma forma, e eles imaginaram que ela tinha
comido algo estranho quando estava no mundo humano. Entretanto, incapaz de imaginar
o motivo real, eles só conseguiam se preocupar de longe.
— Hah...
Miku...
Ela
soltou um longo suspiro e, mais uma vez, os mesmos pensamentos se repetiram.
Agora, a maioria de seus pensamentos eram sobre a Miku. Desde aquele dia, ela
percebeu que o rosto de Miku continuava piscando em sua mente. Ela estava
interessada nela há um tempo; uma humana que ela gostava tanto que conseguia um
tempo para se encontrar com ela no mundo humano. Mesmo assim, ela nunca pensava
tanto em Miku que não conseguisse trabalhar, como o que estava acontecendo
hoje.
Desde o
dia em que a beijou, ela sentia que algo mudara dentro dela. Como eu vou encarar a Miku agora? Na próxima
vez que nos encontrarmos, o que devo dizer...? Em primeiro lugar, sua
personalidade despreocupada e que não pensava muito a fundo nas coisas
trabalhava contra ela; ela tinha o hábito de se preocupar infinitamente após
começar. A última vez que ela se preocupou tanto foi quando se separou “dele” —
seu parceiro anterior, há vinte anos.
— Rin!
Assim que
estava se perdendo em pensamentos de novo, ouviu alguém chamá-la abaixo. Voltando
à realidade, ela olhou para baixo e viu um anjo carregando uma grande tesoura
vermelha e um regador, piscando maliciosamente, a cuidadora desta árvore, Meiko.
— Você apareceu
em uma ótima hora! Eu precisarei de ajuda aqui embaixo. Poderia me ajudar a podar?
— Não é
sempre que a vejo por aqui. De verdade, já faz muito tempo.
—
Ahahaha... É verdade. Já que agora estamos em divisões diferentes agora.
Segurando
uma tesoura que tinha quase o dobro de seu tamanho, Rin cortou o galho da
macieira. Normalmente, seriam os anjos designados sob Gabriel que eram
especializados em cuidar desta árvore, então ela não sabia onde e como deveria
cortar. Ela apenas podava as áreas que Meiko apontava.
— Como
você tem estado? Ouvi que você foi promovida a anjo júnior. Se me lembro bem,
você foi posta... na unidade do Kaito, não é
Meiko
disse enquanto habilmente movia o regador para regar as plantas. Ela ajudou muito
Rin quando ela ainda era um anjo em treinamento. Como uma das melhores
cultivadoras de maçã do Paraíso, ela ensinou Rin sobre o básico de cultivação
de maçãs. Enquanto no mundo humano, elas tiveram uma relação de professora e
aluna. Meiko, que também era um arcanjo como Kaito, a tratava bem, mas assim
que Rin oficialmente se tornou um anjo júnior e ficou ocupada com o trabalho,
elas não se encontravam muito. Sendo de unidades diferentes, não era sempre que
elas precisavam trabalhar juntas.
— Estou
fazendo uma investigação no mundo humano como parte da unidade de Kaito.
—
Entendo! Ele é do tipo de pessoa que é rígido consigo mesmo e com os outros,
então deve ser cansativo, não é? Você já se acostumou ao trabalho?
— Sim! Eu
trabalho como par do Kaito há um tempo, então... estou em ótima forma!
— ...De
certa forma, você parece um pouco cabisbaixa. Aconteceu algo?
Rin ficou
surpresa quando foi perguntada isso. A voz de Meiko parecia preocupada, mas
gentil. Embora ela tenha tentado parecer animada, Meiko viu através de tudo.
Talvez por se conhecerem há muito tempo, ela sempre conseguia descobrir quais
segredos ela estava guardando facilmente, não importa quão triviais.
— ...
— Você
não precisa me contar se não quiser. Só estou um pouco preocupada. Quando a
encontrei mais cedo, a expressão que você tinha... era a mesma de antes, é só
isso...
Antes.
Quando ele caiu, Meiko estava lá para
apoiá-la também.
— Ei...
Você... Você tem interesse por humanos, Meiko?
— ...?
—
Desculpe! Isso foi muito repentino... É que, ultimamente, eu tenho ido ao mundo
humano com frequência para trabalhar... E, bem, tive oportunidades de falar com
humanos, e... Sim.
— Bem...
falando da minha “posição”, humanos são uma existência frágil que precisa que
fiquemos vigiando-os. Do momento em que nascem até o momento em que morrem, observá-los...
esta é a missão daqueles que protegem esta árvore.
A árvore
da Vida, A Grande Árvore. Esta única árvore, uma enorme macieira que parecia quase
formar uma floresta inteira, era constantemente protegida e cuidada por anjos
de Gabriel.
A Árvore
da Vida mantém a circulação da vida, e é, por assim dizer, a forma temporária
de Deus. Os galhos produziam frutos da alma, a maioria dos quais caem na Terra
e se tornam a alma de humanos.
Entretanto,
raramente, há maçãs que se diferem das normais maçãs da alma, que brilham
notavelmente e se tornam frutos. Estes frutos não caem até a terra, e destes,
nascem os anjos.
Além
disso, quando um humano ou anjo morre, sua alma retorna à esta árvore através
das raízes, e renasce como uma nova vida. Nada é certo neste ciclo de
circulação de almas; tudo acontece por acaso. Uma vida perdida hoje pode nascer
novamente em algum outro lugar no dia seguinte. Ou pode continuar dormindo
indefinidamente dentro da calorosa árvore até que o momento chegue. Anjos
meramente provém assistência mínima para se certificarem que este ciclo não
seja adiado.
Exato,
simplesmente observando e nada mais.
— Mas, eu
penso comigo mesma às vezes. E se...
Enquanto
sorria gentilmente, Meiko tocou o tronco da árvore, como se tivesse pena dela.
— E se,
mesmo que parássemos de cuidar desta árvore, ela... Humanos ainda nascessem,
como agora, e morressem, como agora?
— ...
— E se os
humanos não são tão fracos quanto acreditamos que sejam? ...Ou melhor, mesmo sendo
frágeis e simples... e vivendo vidas tão breves comparadas às nossas, eles
brilham e fazem o melhor que podem... E se eles são muito mais fortes que nós,
anjos? ...Guarde o que eu disse como segredo dos outros, tudo bem?
Seria uma
fala controversa vinda de um arcanjo encarregado de cuidar desta árvore. No
Paraíso, era sempre pensado que, sem a ajuda dos anjos, os humanos não
conseguiriam viver ou morrer corretamente. Era um problema lidar com o
significado da existência dos anjos.
—
Certo... Meiko, você já pensou em manter contato com humanos?
— Hum...
Já que eu passo todos os dias com as “almas” deles assim, eu não ousaria ir ao
mundo humano e manter contato com os “receptáculos”. Acredito que já esteja em
contato suficiente agora.
—
Entendo...
— Você
está interessada em algum humano em particular, Rin?
— Hã...
H-Hum...
Rin, que estava
quebrando a lei ao interagir com humanos mais que o necessário, repentinamente
ficou embaraçada.
— Huhu.
Não precisa esconder. Eu não direi a ninguém. E, de qualquer forma... você não
é a única.
— Hã...?
— Você
não é o único anjo que mostrou mais interesse do que devia pelos humanos...
Desde muito tempo atrás, há muitos anjos que pensam da mesma forma.
—
Mes-mesmo...?
— ...Isso
também é algo que é mantido como segredo dos mais novos, mas...
“Mais
novos” significava os anjos com menos de trezentos anos de idade.
— Antes,
tanto o Paraíso quanto o mundo humano estavam em muita desordem. A distância
entre os anjos e os humanos costumava ser menor, e as leis não eram tão rígidas
como agora. Isso é, antes da Grande Guerra acontecer...
— ...!
— Você já
ouviu falar do “Anjo Lendário”?
— Hum...
Aquela que teve um papel bem ativo na Grande Guerra?
No templo
Gran Dios, durante a época do Oráculo, um grande e dourado retrato de uma
mulher decorava aquele lugar sagrado. Ela foi a salvadora da guerra há
quinhentos anos, com força invencível. Todos os anjos aspiravam ser como ela em
algum ponto de suas vidas.
— Sim, o
Lendário e Dourado Anjo. Sabe... Até mesmo ela
caiu à terra por conta própria.
— !!
—
Surpresa...? Até mesmo ela, que é dita como sendo a Escritura Sagrada dos
Anjos. Por isso não é algo tão anormal anjos estarem interessados em humanos.
Não acha? Afinal, eles são as “vidas” que nos arriscamos as nossas para
proteger. Ah... Guarde tudo o que eu disse como segredo dos outros, tudo bem?
O coração
dela estava batendo acelerado há um tempo. Rin assentiu vigorosamente, jurando
absolutamente guardar segredo. Meiko aproximou um dedo de seu lábio enquanto
ria; devia ser apenas a imaginação de Rin, mas seus olhos pareciam ter um brilho
de solidão.
Desde que
consultou Meiko sobre os humanos... em outras palavras, sobre sua ambiguidade
com Miku, Rin ainda não havia feito muito progresso com seus sentimentos. Embora
ela estivesse aliviada em descobrir que estar interessada em humanos não era
algo negativo, isso era exatamente o que a deixava mal, como um anjo, por não
conseguir parar de pensar em uma humana ao ponto de mal conseguir fazer seu
trabalho. Seu superior direto, Kaito, era gentil com ela, e disse que ela não
hesitasse em perguntar a ele caso estivesse preocupada com algo. Entretanto,
como Kaito era da Facção Ira, que não pensava muito bem dos humanos, não havia
maneira alguma de poder discutir o assunto sobre Miku com ele, então o tempo
passou com um ar estranho entre eles.
Logo
faria cerca de um mês desde que ela encontrou Miku pela última vez. Para os
anjos, um mês mal era algum tempo, mas para os humanos, um mês poderia ser o
suficiente para um evento grande acontecer e acabar.
Durante
este período de mudança para a vigilância da fé em demônios, ela teria que ir
mais uma vez ao mundo humano para trabalhar por enquanto. Com estas emoções
desagradáveis e galantes revividas, ela preparou para descer. Logo que o trabalho
de conquista terminasse hoje, ela iria ao encontro de Miku diretamente. Mesmo assim, ela não planejou fazer nada
quando isso acontecesse. Ela só queria se desculpar por beijá-la e ser honesta
sobre os sentimentos que tinha agora—
Seu
pesado bater de asas parecia um pouco mais leve, e abrindo suas asas, ela pariu
à terra abaixo.
—
Desculpe! Ela deve voltar amanhã ou depois de amanhã.
Já fazia
um tempo desde que Rin visitou a mansão Cryinpt pela última vez.
Devido ao
mau momento, Miku já havia saído, e Lily, que lhe fazia companhia, preparou um pouco
de chá para ela. Como sempre, o chá que ela preparou estava delicioso.
— E? Já
faz um bom tempo desde a última vez que a vi. Está ocupada no trabalho?
— Sim...
acho que... sim.
Ela
respondeu de forma vaga, como se estivesse a enganando. Era verdade que era uma
época cheia, mas como seus pensamentos estavam mais em Miku que no trabalho,
ela estava com a consciência culpada.
—
Entendo! A Lady Miku não aprece ela mesma esses dias, então me perguntei se
algo havia acontecido algo entre vocês duas. Desde aquele dia, você parou de
vir frequentemente como vinha antes, afinal.
— Ugh...
ngh, agh!
— Minha
nossa! Você está bem?
Rin olhou
para Lily, que estava sentada diante dela, enquanto se engasgava com o chá Darjeeling
que estava bebendo. Por algum motivo... Por trás da expressão dela, ela sentia
que Lily estava olhando para ela com uma curiosidade animada.
— De
qualquer forma, suas reações são bem fáceis de entender, Lady Rin!
—
Fi-fique quieta.
Ela
geralmente era provocada por outros anjos por não conseguir guardar segredos,
mas recentemente, até mesmo Miku e Lily começaram a provocá-la.
— E
então...? Você e a Lady Miku discutiram?
— ...Não.
—
Então... Você disse algo que deixasse o clima ruim entre vocês?
—
...Eu... não acho... que sim?
— ...Por
que você parece tão insegura?
— ...É
porquê...
Assim que
Rin estava prestes a dizer “porque eu não entendo emoções humanas”, ela fechou
a boca.
Ela quase
se esqueceu que Lily não sabia que ela é um anjo. Agora, Rin estava ajustando seu
poder para que pudesse ser vista como uma humana normal como Lily e escondendo
suas asas de vista. Aqui, ela recebeu uma identidade de uma nobre livre vivendo
em um país vizinho. Como ela sempre era tão natural entre elas, quase se
esqueceu por um momento.
— Ah... É
porque...a Miku disse que vai se casar... de repente.
— A vida
sempre é repentina, cheia de altos e baixos; mas amanhã sempre será outro dia!
Ninguém sabe o que há guardado... Isso, é o romance.
O que
Lily estava imaginando quando disse isso, com suas bochechas levemente rosadas?
— Não, o
que quero dizer é...
— Em
outras palavras!
Apontando
do outro lado da mesa com o dedo indicador e posando como um detetive que
acabara de desvendar o caso, Lily falou.
— Eu não
gosto disso... A Lady Miku está pensando em casamento sem me consultar sobre
isso!
— Hm...
— Aaah...
Mesmo que a gente sempre tenha vivida sem segredos entre nós...
— Hum...
— E mesmo
assim... Mesmo assim...! Antes que eu percebesse, ela estava tão amigável com aquele tipo de homem...!
—
Huum......
— Que ato
traiçoeiro! Agora que chegou a este ponto, eu vou te matar e então matar a mim
mesma!
— Isso é
um exagero.
Rin bateu
na cabeça de Lily quando ela começou a murmurar como um ator com gestos
dramáticos, Lily esfregou sua cabeça, mesmo sendo óbvio que não doeu.
— Mas é
assim que você se sente, correto?
— ......
— Vou
aceitar seu silêncio como uma afirmação.
—
...N-não tanto... a ponto que eu queira matá-la.
— ...Isso
foi só uma brincadeira. Você é surpreendentemente radical, Lady Rin. Hum,
entendo! Hum...
— O quê...?
— Ah, não
é nada. E o que você pretende fazer, Lady Rin?
— ...? O
que eu pretendo... fazer?
— Hm, por
exemplo... você quer evitar o casamento da Lady Miku?
—
Pre-prevenir?! Não, eu... Além disso, ela disse que ainda nem foi finalizado...
— Hã? Ah,
falando nisso, enquanto a Lady Rin estava ausente, foi formalmente decidido! Se
me lembro bem... a cerimônia acontecerá no mês que vem!
— !!
Eu... entendo...
Ela não
conseguia esconder seu choque ao ouvir as palavras de Lily.
— Você
vai ao casamento?
—
......Eu não quero ir.
— ...É
mesmo...? Mas eu...
De
repente, a visão de Rin foi ofuscada por um preto ominoso.
— ...me
dei o trabalho de preparar uma nova roupa para você vestir no casamento.
Lily agiu
como se estivesse desabando em pesar, e deu um alto e desanimado suspiro. No
fim, o que mais importava para ela é que seu novo modelo foi desperdiçado.
— Eu, já,
disse! Eu nunca mais vou vestir preto!
— Mas é
um casamento! Todos estarão vestidos
de preto! Sabe disso?
— ...
— O
modelo que você usou no banquete na última noite combinou tanto com você. Você
estava monopolizando todos os olhares
das jovens convidadas!
— Hãããã?
—
Francamente, você percebeu, não é? Você é tão pecaminosa! Sem saber que era um cross dress naquele dia, todas as outras
garotas estavam caidinhas por você! Que impuro! Ah, mas esta aura perigosa é um
pouco... Bem, deixando isso de lado... afinal, a Lady Rin tem olhos apenas para
a Lady Miku!
Cross dress — já que ela
geralmente parecia uma garota, isso provavelmente era verdade.
— ...Me
pergunto se cometi um erro, no fim de tudo...
Enquanto
Lily zombava dela, Rin murmurava para si mesma. Para os humanos, o casal mais
comum consistia de um homem e uma mulher, para o bem da reprodução. Entretanto,
de vez em quando, ela ouvia falar sobre duas pessoas do mesmo gênero que se
apaixonavam... Mas, mesmo assim, era estranho que ela, um anjo com a aparência
de uma garota, estar interessada em uma humana que também era uma garota, como
ela.
Ou o
problema estava no fato de que anjos e humanos não são compatíveis?
— Hã?
— ...Ah,
não, não é nada. Não se preocupe.
Embora
seus sentimentos devessem estar um pouco mais claros após conversar com Meiko,
ela sentiu que eles ficaram mais pesados.
— ...Eu
não acho que você esteja errada.
— Hã?
Quando
ela ouviu o som de uma voz, ela viu Lily vir ao seu lado, sorrindo quase com
pena.
— O mais
importante... é a qualidade da alma. Afinal, aparências não são nada mais que o
“receptáculo” que mantém a alma.
— ......!
Isso...
Era
quase... como que “elas” fossem a mesma—
— No
banquete, você estava sozinha, não é? Você conversou com a Lady Miku em
segredo, não é?
—
......Hah... Você tem ouvidos diabólicos.
Um dia,
Rin retornaria essas palavras para a pessoa diante dela. Por um breve momento,
ela entrou em pânico, pensando que Lily tivesse visto sua verdadeira
identidade. Mesmo sendo humana, às vezes ela dizia coisas que surpreendiam.
Embora essas palavras sempre a ajudassem, de alguma forma...
— Você
deveria viver como quer, e ser honesta com seus sentimentos. Afinal, apenas se
vive uma vez.
Dizendo
isso enquanto sorria, não se pensaria que ela dizia brincadeiras idiotas há um
momento. Agora, Lily parecia ainda mais velha e solene que Rin, que tinha mais
de cento e cinquenta anos.
Terminando
o chá de Lily, Rin lentamente voltou para o Paraíso. Deixando de lado o fato de
que ela estava tão animada para vir, e no final, a pessoa que ela queria ver
não estava lá, ela ficou um pouco desapontada. Embora tenha conseguido coragem
após conversar com Lily, se elas se encontrassem agora, ela não saberia o que
dizer. Pode ter sido algo bom elas não terem se encontrado hoje, então. Entretanto,
decidir não a ver nunca fora uma opção desde o começo. Nada de bom poderia vir
de fugir assim. Ela voltaria amanhã. E então—
— Que
fantástico encontrá-la novamente em um lugar assim!
Ela ainda
não sabia o que dizer. Primeiro, ela provavelmente pediria desculpas pelo que
aconteceu no mês passado.
— Eeei!
Pode me ouvir?
Mas como
ela poderia se desculpar? Apenas dizer “sinto muito!” do nada?
— Eeeei.
De
repente, seu braço esquerdo foi segurado com muita força, surpreendendo-a.
— Por que
está distraída assim? Tem algo te incomodando?
Quando se
virou, Rin viu o demônio ruivo que havia lutado contra ela antes, sorrindo
casualmente como antes. Por um momento, ela não conseguia responder nesta
situação repentina, mas após uma pausa, ela tentou libertar seu braço. Mas seu
aperto era muito forte, ela não conseguia resistir. O demônio era muito mais
forte que ela. Ela se lembrou de como foi superada por sua força na batalha
anterior.
Se ela
não conseguisse vencer por força, não teria escolha senão negociar com ele.
— Hm?
Você está quieta hoje! Finalmente percebeu que eu sou o melhor entre nós dois?
— ...tsk.
O que você quer?
Era
frustrante não poder dizer nada de volta, mas o nível deste oponente estava
além do normal. Ela não podia agir descuidadamente como na última vez e causar
problemas para todos de novo.
— Hum... Eu
não te chamei porque quero agora. Eu só vejo você de vez em quando durante
minhas voltas.
— ...Até
demônios... dão voltas, não é?
— ...pft—
— ...?
—
Ahahahaha!
O demônio
de repente teve um ataque de risos. Rindo enquanto apertava seu estômago, ele
parecia muito diferente de como ela via os demônios — cruéis e astuciosos.
— O que é
tão engraçado?!
—
Ahaha... Ah! Ah, não, não. É que você parece estar nos entendendo mal.
—
Entendendo mal?! O quê?!
— Mesmo
que você coloque todos nós, demônios, juntos, ainda há os bons e maus entre
nós.
— ...! O
que... O que quer dizer?!
— É o
mesmo no seu precioso Paraíso, não é? Anjos tem diversas personalidades também.
— Tsk.
— Há
aqueles como você: genuínos, puros e adoráveis. E também há anjos que fazem
coisas terríveis, bem pior que os
atos dos demônios, sob o disfarce do poder sagrado, não é?
— O
qu...! Não diga bobagens!
— Não estou. E de qualquer forma... os
demônios surgiram de anjos caídos, sabe?
Ouvindo
essas palavras, seu corpo tensionou, deixando-a incapaz de falar.
Demônios...
vieram de anjos?
— Bem,
acho que esse tipo de coisa não importa. Demônios ou anjos. Enfim...
O demônio
soltou seu aperto um pouco e encarou seu rosto.
—
Aconteceu algo? Você está bem mais branda que a última vez que nos encontramos.
— ...Não
é da sua conta.
— Hm... O
quê? Você discutiu com uma humana?
— ...!!
Mesmo
sendo um demônio dizendo isso, fez sua cabeça se levantar.
— Hm, na
mosca. Minha intuição é bem apurada! Acho que provavelmente deve ser porque eu
sou um demônio. Os segredos das pessoas... Como é parte do yin, a força das
trevas, eu sempre consegui ver bem.
— ...
— Está no
seu rosto. Algo como, você é completamente culpada? Ah, você se apaixonou por
um garoto humano?
— !!
— Ah! Eu
estava brincando, mas eu acertei?
— Tsk.
Mesmo que
quisesse negar, as palavras não surgiam. Se fosse para esse demônio com boa
intuição, qualquer explicação que ela desse seria inútil.
— Ah,
bem... que pena. Você é adorável, eu estava querendo flertar com você.
Rin puxou
sua arma e rapidamente o deixou em sua mira.
— Ei,
espere! Por que está ficando com raiva?!
— Não
brinque comigo!
— Eu não
estou! Eu gosto de anjos, já que eles são fofos. Quando se trata de anjos,
cabelos loiros e olhos azuis são ideais, não é? E você parece com um anjo
perfeito.
— Isso é
preconceituoso!
— Mesmo? O
Anjo Lendário de antigamente, diziam que ela era uma bela garota com cabelos
loiros e olhos azuis, não é?
—
...Isso... não tem nada a ver com agora.
Embora
planejasse atirar com força bruta, como o demônio segurava seu braço, ela não
conseguia usar a força.
— Nossa,
essa foi por pouco! Você não pode me matar, sabe? Enfim, não acho que seja uma
boa ideia você me matar.
Dizendo
isso enquanto facilmente lidava com sua resistência, ele sorriu; as próximas
palavras a saírem de sua boca soaram doces e sedutoras:
— Você
não quer saber...? Como capturar aquele humano para você?
Eles
estavam dentro de uma catedral antiga na periferia da cidade. Após mover o
monumento de pedra embutido sob o altar, um mal iluminado túnel subterrâneo foi
revelado. Dependendo das poucas velas acesas nas paredes, os dois desceram uma escadaria
escura. Sem nem mesmo uma curva, o caminho continuava em uma linha reta. A
escadaria escura dava um ar sombrio, como se eles estivessem continuando
diretamente até o inferno. Rin encarou as costas do demônio que andava diante
dela.
Perto da
ilha Rulen, no centro de Alphine, ficava a pequena ilha de Minole. A ilha
central, Rulen, e as ilhas ao redor, tinham sua própria política, e até mesmo
Rulen, que era o centro do governo, não podia interferir muito com o governo
das outras ilhas. Isso era devido ao fato de que uma vez, há muito tempo, os
nobres que criaram o Reino de Alphine criaram políticas individuais para a
terra, e por isso, a cultura de cada ilha era um pouco diferente.
A ilha
para a qual o demônio havia a levado, Minole, era uma pequena ilha ao noroeste
de Rulen, com a população de quinhentas pessoas. Como geralmente fazia
patrulhas de vigilância em Alphine, Rin já havia voado diversas vezes para esta
ilha antes, mas era a primeira vez que via este lugar que estavam agora. O
esconderijo de um demônio poderia ser em um lugar como esse? Talvez por causa
de sua ansiedade, seu coração estava acelerado desde antes. Seria a primeira
vez que ela colocaria os pés na base de um inimigo — e um que era claramente
mais forte que ela.
Finalmente,
eles viram o fim do que parecia uma escadaria infinita. O demônio que andava
diante dela deu um passo abaixo e abriu a porta que estava diante deles. Fez um
rangido desagradável enquanto abria.
— E aí.
Velha, está aí?
Assim que
Rin passou pela porta que o demônio havia a guiado, uma cena estranha se
expandiu diante dela. Todas as paredes do vasto interior estavam repletas de estantes
de livros que a amontoavam até o topo. O teto ficava tão alto que não dava para
ver de onde estavam. No centro da sala havia uma grande mesa, e ao seu redor, máquinas
que pareciam equipamentos de laboratório, emitindo sons baixos enquanto
operavam. Apenas ver as fileiras de ossos de animais, plantas de aparência
arrepiante, e fluidos de cores suspeitas fazia ela querer sair.
Enquanto
ela estava para naquele lugar, desnorteada, uma senhora apareceu pela porta que
parecia sair na sala ao lado.
—
...Minha nossa, então é você? O que você quer uma hora dessas?
A
senhora, que parecia uma “bruxa” de um conto de fadas, olhou na direção deles
com uma expressão irritada. Embora sua aparência seja um pouco desagradável, ela
não era um demônio, mas uma humana normal. Porém, como parecia que a senhora
conseguia ver a essência dos anjos e demônios, era difícil dizer que ela era
normal.
Quando
seus olhos se encontraram, um sorriso sórdido apareceu no rosto da senhora.
— Ah, o
que temos aqui... já faz um tempo desde que vejo um anjo pessoalmente.
— Ela é
fofa, não é?
— Ah,
sim... Ela é muito adorável...
Havia
algo como insulto e crítica em seu rosto enquanto ela ria chamando-a de
adorável.
—
Agora... O que você quer aqui, mocinha?
Enquanto
ela girava um fraco marrom-avermelhado sobre a mesa, a senhora falou.
— ...
Incapaz
de responder, o demônio ao seu lado veio ajudar Rin.
— Você
mencionou isso antes, não é? Uma poção do amor. É por isso que estamos aqui.
— Uma
poção do amor... Eu já fiz algo assim...?
— Você
fez, não é? Já esqueceu, velha?
— Esses
não são modos de falar com uma idosa! De qualquer forma, uma poção que eu fiz
uma vez não pode ser feita de novo.
— Hã?!
Que seletividade sem sentido é essa?
— É
melhor você desistir...
— Que
diabos... Ah! O que você vai fazer?
O demônio
olhou na direção de Rin. Ele tinha uma expressão desapontada no rosto, como se
tivesse sido inútil apresentá-la.
— Não é
como se eu precisasse de uma poção do amor. Além disso...
Além
disso... Por que ela faria a Miku beber uma poção do amor? Isso faria parecer
que ela estava apaixonada por Miku. E além de ter sido atraída, era uma
desgraça que estivesse sendo aconselhada e ajudada por um demônio, seu inimigo.
— Hum.
Mocinha, parece que suas preocupações são bem complicadas... Sinto uma pontada
de tabu.
No
momento em que ouviu a palavra “tabu”, o coração de Rin acelerou.
— Hã...
um tabu, é? Que assustador.
Enquanto
um brilho suspeito brilhava nos olhos do demônio, ele balançou as duas mãos.
— E você
pode falar algo? Demônios são seres terríveis. Deixando os outros confiarem
neles e quando percebem, estão descendo a escada para o abismo juntos.
Enquanto
a senhora zombava do demônio, ela olhou para Rin.
—
Mocinha, isto está se tornando uma conversa complicada. Se não quer ouvir isso,
recomendo que saia.
— O-o que
quer dizer?
— Você
realmente gosta tanto dessa humana?
— O... O
quê?
Lá estava
de novo. Assim como quando o demônio adivinhou no que ela estava pensando, até
mesmo essa senhora conseguia ver através dela?
— Ah. Eu
vou sair agora. Vou deixar vocês duas à vontade.
Dito
isto, o demônio virou-se para sair.
— Hã?
Es-espere!
Em
pânico, Rin o chamou. Ele a trouxe até aqui para apresentá-la a uma senhora
idosa?
— Bem,
não se esforce tanto. Se você se tornar uma de “nós”, será bem-vinda a qualquer
momento.
E com
isso, ele desapareceu pela porta.
Embora
ele tenha dito “nós”, esta senhora era uma humana, então o que ele queria dizer
com isso?
— Parece
que ele o trouxe aqui porque está interessado em você. Mas isso não quer dizer
necessariamente que ele está pensando em forçá-la a fazer isso.
—
M-mas...
— A maior
parte dos demônios é instável. Bem, independente da aparência dele, ele é
intrometido, e tem a tendência de mudar de ideia ao longo do caminho.
Incidentalmente...
Estudando-a
da cabeça aos pés, estava humana deveria ser muito mais jovem que ela, mas por
algum motivo, Rin sentia-se estranhamente nervosa ao seu lado.
— Qual é
o seu nome?
— Hum,
é... Rin.
Surpreendentemente,
a senhora perguntou algo assim. Vendo como ela era uma conhecida do demônio de
antes, e não estava surpresa em ver um anjo, parece que ela era uma humana que
sabia muito sobre “esse mundo”.
— Rin...
hm?
— Hum, e
você é?
— Até
mesmo meu nome foi esquecido há muito tempo.
— Mas eu
acho que sou mais velha que você.
Não era por
sua aparência, mas era como se essa pessoa, que de alguma forma dava a
impressão de ser muito mais velha que ela, estivesse guardando alguns segredos.
— Rin,
por que você veio aqui?
—
...E-ele me trouxe aqui.
— Não foi
o que perguntei. Estou perguntando por que você foi tentada por ele? Você é um
anjo tão tolo assim?
— ...
Rin ficou
petrificada com essas palavras. Era frustrante admitir, mas parecia que esta
outra era bem hábil. E, por algum motivo, quando ela falava com essa pessoa,
era tomada por uma estranha tentação de querer dizer a ela seus verdadeiros
sentimentos que não disse a ninguém.
— ...Eu
estou interessada em alguém. Bem... é uma garota humana.
— Hum...
No Paraíso deve haver uma regra que proíbe que os anjos se envolvam com um
humano específico.
— ...!
Ah, é por isso que, hum...
Quando
começou a falar, ela sentiu a culpa consumi-la.
— Espere,
isso é apenas o que a regra dita. Há muitos anjos que deixaram o Paraíso porque
se opunham a uma lei tão absurda.
— ...!!
Vo-você sabia disso?
— ...Bem,
eu conheço vários assim.
De
repente, Rin lembrou do rosto de seu parceiro que se separou dela há vinte
anos. Talvez ele também seja um conhecido desta senhora...
— A
última vez que vi um anjo foi há quarenta anos. Dede então, não ouvi mais nada
sobre anjos caídos. Ouvi dizer que recentemente as leis do Paraíso ficaram mais
rígidas.
— É...
verdade...
Ele caiu
há vinte anos... neste caso, ela não o conhecia. Rin ficou um pouco desanimada
por isso.
— Me
diga, agora, a humana que você está encantada, o que ela pensa de você? Para
começar, ela consegue ver sua verdadeira forma?
— ...Ah,
hum... A Miku... me salvou. Há um ano, eu lutei contra aquele demônio de
antes... Eu fiquei ferida e não consegui voltar para o Paraíso, mas... ela— a
Miku estava passando por lá, e pediu que eu descansasse em sua casa, e eu
fiquei em dívida com ela...
—
Entendo... Em outras palavras, foi amor à primeira vista, hm?
— Não,
você está errada! Naquela época, eu não...
— Então
por que você decidiu ir com uma humana que acabara de conhecer? Não importa
quão sério seja o ferimento, anjos têm a capacidade de curar a si mesmos.
— É porque...
era minha primeira vez falando com uma humana... E eu pensei que era incomum.
Ela poder ver minha verdadeira forma, assim como você...
—
...Nesse caso, se eu estivesse passando por perto naquele momento e estendesse
a mão para você, você viria comigo sem pensar duas vezes?
— Sem
chance! Definitivamente não! ......Ah.
— Você é
honesta. Mas o que importa é que isso é sua prova.
Os
batimentos de seu coração eram a resposta para as palavras da senhora.
— Mas se
você diz que foi amor à primeira vista, então...
— Começou
como um amor à primeira vista, e após muito tempo passar, estes sentimentos
viraram certeza. Isso que é o amor.
—
...Isso... é mesmo amor?
Estes
eram os sentimentos que ela não queria admitir. Anjos não amam. Não é permitido
a eles. Eles têm apenas a afeição. Rin ouviu que o amor era uma emoção forte
que significava dedicar todo o seu ser para outro. Mesmo assim, esta emoção era
proibida para os anjos que viviam para sua missão e para “Deus”, e não
importava quão próximo um anjo fosse do outro, quem terá a prioridade é “Deus”.
Os anjos que não conseguem fazer isso são tratados como hereges, e sujeitos a
reeducação.
— Embora
talvez você não consiga entender, não é impossível. Anjos não amam, correto?
Mas você percebeu o que era. Apenas aceitar é o bastante. Então, agora há dois
caminhos diante de você.
— Dois...
caminhos?
Desde um
tempo atrás, devido às habilidades de conversa da senhora, Rin apenas conseguia
repetir suas palavras.
Ela
estava tão atraída desta vez que era inevitável.
— Sim. O
primeiro é... de acordo com a lei, sua alma será reduzida mais uma vez à fonte
da vida; que é chamada no Paraíso de Árvore da Vida. Lá, suas atuais memórias
“desnecessárias” e emoções serão removidas, e você renascerá em um estado puro
como “Rin”.
— ...!!
Mas isso...
— Você
não sabia? Já faz muito tempo, anjos que se tornavam hereges tinham suas
memórias roubadas, e suas almas resetadas. Mas, ao menos suas vidas são
deixadas intactas. Tiveram piedade neste aspecto.
— ...Eu
nunca ouvi nada sobre hereges nem nada do tipo em toda a minha vida...
— Não é
uma surpresa. Pelo jeito, você ainda é jovem. Quem está no poder mantém as
partes sombrias trancadas a sete chaves. Bem, é o mesmo no Paraíso e nesta
terra.
— !!
— Rin não
podia dizer que não estava familiar com isto. Em alguns anos, algum anjo
misteriosamente sofria amnésia após desaparecer durante uma missão. Mas ela
sempre ouvia que era por causa de uma batalha contra demônios, ou um acidente
por serem descuidados, e nem ela nem ninguém ao seu redor parecia achar nada
estranho.
Uma gota
desagradável de suor escorreu em suas costas.
— Em todo
caso, se seu encantamento por essa humana for descoberto, você terá o mesmo
destino. Mas isso depende de você. Se não quer ser exposta, então deveria
cortar qualquer futuro com aquela humana. É simples assim.
— ...
—
...Talvez eu esteja a provocando demais. Se estes sentimentos pudessem ser
esquecidos tão facilmente, não teriam tantos anjos caídos nestas terras até
hoje.
— ...!
Anjos caídos.
— Cair...
Este é o segundo caminho. A maioria dos anjos que caíram foi por amor. Embora
seja raro, há também os que fizeram isso por outros motivos.
Anjos
caídos. O ato mais traiçoeiro contra Deus e o Paraíso. É assim que aqueles que
abandonam suas missões como anjos e caem à terra são chamados.
— Embora
sejam chamados de anjos caídos, há diversos tipos. Há aqueles que fizeram
contratos com demônios e tiveram as asas manchadas de preto, e aqueles que
continuam como anjos, selam seu poder, e vivem foragidos. Embora a maioria faça
contrato com demônios para converter seu poder sagrado para poder das trevas...
Caso contrário, eles logo são descobertos pelo Paraíso. E então, tem...
— ...?
— Os
humanos... aqueles que desejam viver entre os humanos querem se misturar o mais
naturalmente possível no mundo humano. Por isso contam com a minha ajuda. Com a
“nossa”, que, embora humanos, possuímos poderes — poderes extraordinários.
— Hã?
— Mas
isso é irrelevante. Eu disse que no passado vários anjos vieram até mim,
querendo viver no mundo humano, não é?
— Sim.
— Viver
no mundo humano enquanto desvia da atenção do Paraíso é bem difícil de se
fazer. Não é algo que seja possível ser feito apenas com o poder da própria
pessoa. Primeiro, para não ser encontrado pelo Paraíso, a energia sagrada deve
ser completamente selada. Porém, anjos sem energia sagrada alguma... não, o
mesmo vale para os anjos— eles inevitavelmente morrerão.
— ...É-é
claro que sim.
— Depois
da morte, tudo é perdido. Mas, há duas formas de viver selando o poder. A
primeira é equilibrar o poder sagrado com o poder das trevas... Usar o poder
que um demônio possui. Formando um contrato com um demônio específico, usar sua
habilidade de converter o poder sagrado de alguém para o poder das trevas. Em
outras palavras, se tornar um demônio.
—
...Um... demônio...
— Bem,
sua aparência não sofrerá muita alteração.
— ...
— A outra
forma... é usar isso.
A senhora
estendeu a mão até o armário ao lado da mesa e pegou uma velha e esfarrapada
balança.
— Uma
balança...?
Parecia
uma balança, mas tinha apenas um prato.
— É
chamada de Balança do Julgamento. Em troca de conceder um desejo do usuário,
algo de mesmo valor é sacrificado para manter o equilíbrio da balança.
— O
que... isso significa?
— Ahh...
permita-me explicar. Suponha que você tem um desejo que queira realizar, não
importa o que custar. Neste caso, você desejará nesta balança. Mas, no momento
em que este desejo for concedido, você sentirá a alegria do que recebeu e ao
mesmo tempo, um valor igual de tristeza. Em outras palavras, terá um
equilíbrio. A pessoa que usou isto da última vez foi um homem que queria curar
sua esposa, que tinha uma doença terminal, Ele sabia dos grandes riscos que a
balança tinha, mas, mesmo assim, seu sentimento de querer a melhora de sua
esposa eram mais fortes. Com o poder da balança, sua esposa ficou perfeitamente
bem novamente. Porém, deste dia em diante ela não amava mais o marido. Perder
sua esposa e ser amado por ela tinham o mesmo valor para ele. E quanto ao seu
destino... para ele, sua esposa era o único motivo para viver. Após ser
abandonado por ela, ele deixou suas últimas palavras de mágoa, e tirou sua
vida...
— ...
— Este é
o tipo desta ferramenta. Se você usar esta balança, o que desejará? E do que
desistirá? ...E então, qual caminho você vai tomar?
Qual
caminho... Ela deveria ser fiel a Deus e descartar suas “memórias
desnecessárias” e renascer como um anjo? Ou deveria trair Deus e o Paraíso, e
cair à terra para escapar...?
Ela
deveria se tornar um demônio ou uma humana?
— ...
— Bem,
você com certeza está em conflito. Mas mesmo que suas memórias sejam apagadas
no Paraíso, serão apenas as coisas relacionadas à pessoa que você amou. Você
não vai perder tudo.
— Minhas
memórias... Eu não quero... perder as memórias que tive com a Miku...
— ...Eu
presumi quando você chegou aqui. O que você quer?
— ...Eu
não quero esquecer minhas memórias com a Miku! Definitivamente não... Mas, eu
não posso... trair o Paraíso... ou Kaito e os outros...
— Você é
uma garota egoísta, não é? Não se pode ter tudo na vida.
— Mas—
— ...Do
meu ponto de vista, já consigo ver a resposta dentro de você.
— ...!!
— A
“alma” sempre é verdadeira. Por causa disso, é mais difícil viver enquanto
mente para si mesma.
— ...O
que... devo fazer?
— Pelo
que você quer viver?
Fizeram
essa mesma pergunta para Rin antes. Ela se lembrava das palavras que ele, que
caiu, disse naquele dia.
— Eu...
Eu...
Em
pânico, ela não conseguia encontrar as palavras.
— Fique
calma. Feche os olhos e respire devagar. Entendido? Tente lembrar as memórias
dos momentos felizes, dos momentos tristes e sentimentos gentis... Agora, o que
você está vendo?
Assim
como a senhora disse a ela, Rin fechou os olhos e respirou devagar. Memórias
felizes fluíram em sua mente: quando ela cultivou maçãs com Gumi e Meiko e
todos os outros. Maçãs deliciosas. Elas levaram para Gaku, embora ela parecesse
um pouco incomodada, estiveram com a Luka na hora do chá. Sempre conversavam
sobre muitas coisas, e ela pensava em brincadeiras bobas que o deixariam com
raiva dela... Kaito. Ele zombava dela, dizendo que nunca houve um anjo que caiu
da árvore, mesmo tendo asas. Mesmo quando ela cometia erros no trabalho, ele
dava gentilmente seu apoio enquanto a repreendia. Eles voaram pelos céus
juntos... Assim como ela fez com ele,
que não estava mais aqui. Ele, olhos azuis e gentis— matavam trabalho juntos,
pensavam em pegadinhas para fazer contra o Kaito. Eles eram tão gentis. Todos
eram tão calorosos e gentis.
E mesmo
assim—
Quando
Rin abriu os olhos, lágrimas haviam começado a escorrer.
— ...O
que você pensou agora... Essa é a sua resposta.
—
...Eu... Kai... to... pessoal... Eu... sinto muito.
Por causa
das lágrimas que fluíam livremente agora, como se saíssem de uma represa
aberta, o rosto da senhora diante dela ficou um pouco borrado. A próxima coisa
que viu foi a mão enrugada da senhora acariciando gentilmente sua cabeça. O
calor de sua mão era tão gentil que ela não conseguia parar suas lágrimas.
— Por
que... como...
— ...Não
se preocupe. Quem poderá dizer que esta “resposta” é a errada?
Em uma
forma reversa, estas palavras lhe deram alívio, e ela não conseguia mais parar
os sentimentos que escondia no fundo de seu coração de transbordarem agora. Ela
sempre foi terrível em mentir.
Aqueles
dias gentis e quentes. Sua missão orgulhosa como um anjo. Tantas destas coisas
preciosas, insubstituíveis memórias acumuladas, mas tremeram diante do sorriso
daquele dia, quando ela lhe estendeu
a mão.
Eu caí de amor por ela.
O que Rin
pegou da senhora foi o contrato — letras douradas em um papel preto como o
breu.
Rin
modestamente bateu na janela. A mansão Cryinpt era bem quieta no meio da noite,
principalmente pelo fato de que todos exceto pelos servos do turno da noite
estavam dormindo. O quarto de Miku era no canto do terceiro andar, que recebia
muita luz do sol durante o dia, e sempre que ia apenas vê-la, Rin sempre vinha
para a janela deste quarto. Já se passou um ano desde que Miku prometeu abrir
para ela quando ela batesse.
Rin
esperou por um tempo, e quando não houve resposta, tentou bater mais uma vez.
Se ainda não houvesse uma resposta, então ela desistiria. Talvez ela já tenha
ido para a cama... Ou talvez... Se ela estivesse sendo ignorada—
Assim que
estava começando a ficar desencorajada com pensamentos negativos, a janela de
repente abriu, fazendo com que ela voasse para cima em reflexo. Miku estava
olhando para ela com uma expressão um pouco surpresa.
—
H-hum...
Se passou
apenas um mês desde aquele banquete... Embora para os anjos, um mês parecesse
um momento, por que parecia que tanto tempo se passou? E, agora que o rosto da
pessoa que não saía de sua cabeça durante este período estava diante dela, ela
não sabia o que dizer. Era tão patético. Enquanto Rin gaguejou tentando
desesperadamente encontrar as palavras, Miku falou primeiro.
— Sinto
muito pela última vez.
— Hã?
— Foi tão
repentino, então eu fiquei surpresa...
— Ah...
H-hum sobre isso...
— Foi
como... um gesto social, não é...?
— Hã...?
— Você
disse que a cultura dos anjos é diferente da cultura que temos aqui. Parece que
eu esqueci algo tão óbvio. Para nós, este tipo de coisa é feito entre
namorados, mas... Eu me lembrei que você tinha dito que para os anjos, tudo é
baseado em afeição... Você me beijou porque somos amigas, mesmo que eu seja uma
humana. E mesmo assim, eu estava surpresa, e fugi de você...
— Ah...
S-sim.
Rin não
conseguia dizer nada além disto. Por algum motivo... Seu peito doía como se seu
coração estivesse se partindo. Era tão doloroso que lágrimas ameaçaram se
formar.
O beijo
de um anjo era uma prova de bem-aventurança. Não havia sentimentos românticos
envolvidos, apenas afeição. Embora Miku tenha inventado esta “cultura” sozinha,
estava completamente correta.
Mas...
aquele beijo foi...
Rin
queria negar em voz alta, dizendo que ela estava errada, mas após finalmente
conseguirem falar, uma parte dela estava com medo de deixá-la incomodada de
novo. Sorrindo levemente enquanto suprimia os conflitos em seu coração, Miku se
inclinou contra a varanda e falou após recobrar seus pensamentos.
— Foi...
oficialmente decidido que eu vou me casar com o Sr. Iceburg. Você ouviu da
Lily?
— Sim...
ela me disse... no outro dia.
Ela ouviu
de Lily, mas ouvir da própria Miku — em algum lugar de seu coração, Rin estava
implorando para ser salva. Se ao menos
ela pudesse mudar de ideia... Desde que percebeu ser amor por Miku, ela
sentiu que tudo mudou para acomodar seus desejos. Aquelas emoções obscuras se
agitaram. Ela desejava que pudesse monopolizar tudo sobre ela... Estes
sentimentos — quão gananciosos eram. O amor era algo tão egoísta e tolo.
— Miku...
você está mesmo bem com isso?
Escondendo
os próprios sentimentos sujos, Rin disse palavras que ela parecesse apenas
estar preocupada com ela.
— ...Eu
disse antes. Eu tenho algo muito importante para mim, e não posso trair isso?
— É pela
sua família? Pelo bem de sua mãe? Pelo bem de todos os outros?
— Eu...
acho que seria... pelo bem de todos.
— Então,
Miku... E quanto ao seu próprio bem? Quem vive por você, Miku?
—
Is-isso...
— Esse
tal de Iceburg. Para mim, não parece que ele te ama! Assim como os outros
nobres, ele só tem os interesses em mente!
— ...!!
— Miku,
você está sempre... sempre pensando
apenas nos outros! Você nunca pensa na sua própria felicidade! Isso é certo?
Está mesmo tudo bem com isso?
Ela não
conseguia impedir as palavras de saírem. Quem era ela para dizer isso? Até um
momento atrás, ela só pensava em como não queria que a Miku a odiasse, então
como ela—
— A vida
dos humanos é curta, sabia? Comparado a quanto tempo os anjos tem, realmente é
um piscar de olhos! Mas mesmo assim... Suportar coisas que você não gosta,
esconder seus verdadeiros sentimentos... de agora... até o dia em que morrer...
viver pelo bem dos outros ao seu redor... isso é tão...
Ela
queria dizer como isso era triste, mas as palavras não saiam de sua garganta. A
garota diante dela estava tremendo com uma expressão ferida. Rin descobriu os
sentimentos que Miku sempre trancou em seu coração, sem a intenção de revelar
para ninguém. Em um momento, seus olhos ficaram cheios de lágrimas. Se não
fosse pela ocasião, Rin pensaria que sua expressão estava bela.
— Eu...
Eu...
Suportando
as lágrimas até que elas finalmente desabaram, Miku gritou seus verdadeiros
sentimentos.
— Na
verdade... Eu só quero viver livre! Eu quero... me apaixonar! Eu quero amigos!
Eu não quero estudar o tempo todo, quero me divertir também... Eu queria que
alguém me elogiasse... dissesse que eu fiz bem! Quando eu estiver triste, eu
quero alguém para me abraçar! Eu só... Eu só quero ser amada, sem que me peçam
nada em troca!
Junto com
seus gritos tristeza, as lágrimas continuavam a escorrer de suas bochechas sem
parar. E pensar que ela, que sempre estava sorrindo, na verdade estava
escondendo tantas emoções. Rin abraçou seu corpo magro e frágil.
— Quando
estiver muito difícil, você pode chorar... Porque eu vou te deixar chorar.
— Rin...
— Você é
importante para mim, Miku.
— ...
— Eu
estarei ao seu lado... Sempre.
— ...
— Eu
sempre... estarei ao seu lado para protegê-la.
— ...
Miku não
disse nada. Ela apenas continuava a chorar em soluçar. No momento em que Rin
viu suas lágrimas, ela percebeu. Ela estava convencida de que seus sentimentos
não eram incomuns, e que não eram heresia nem nada errado.
Eu encontrei. Aquilo que você falou... Embora tenha levado
tanto tempo, acho que finalmente entendo.
— Para
qual propósito você acha que a “vida” existe?
Tenho certeza que existe para ser usada para o bem de
alguém.
A
Catedral Claude, banhada pelo crepúsculo. A mais magnífica e memorável catedral
dentre as construções no mundo humano — quando foi a última vez que vim aqui?
Também foi o lugar onde eu encontrei com ela
pela primeira vez.
Miku—
Você, uma
humana, partirá muito antes que eu, um anjo. E, um dia, eu estarei em um mundo
onde você não existe mais.
Desde que
a encontrei, meu mundo mudou. O mundo que eu pensava que era colorido e rico, brilhava
ainda mais, e por causa dela, estes olhos refletiam puro branco ao puro preto,
e muitas cores vívidas entre as duas.
Na minha
mão direita estava uma arma.
E o que
eu mirava era uma simples maçã.
Suculenta
e emitindo um aroma doce, “minha alma”, que estava um pouco madura demais, logo
apodreceria. Estava escrito no contrato que eu recebi daquela senhora: “Ponha o
recipiente de sua alma em um lado da balança, e faça seu pedido”.
Eu quero
me tornar humana. Por isso decidi terminar minha vida como anjo. Não importa o
que eu perca em troca do meu desejo. Não importa o que aconteça comigo,
enquanto eu puder ficar ao lado dela como humana, consigo tolerar qualquer dor.
—
Adeus...
Eu não
sei para quem eram estas palavras. Aquela de quem estava me despedindo era o
anjo Rin, e aquela vida. No fundo de minha mente, sorrisos gentis tremiam. Meus
companheiros no Paraíso, meus superiores, e—
Como se
para cortar estes sentimentos, eu puxei o gatilho.
Inúmeras
penas brancas rígidas dançaram para cima no vasto céu.
Que asas lindas... Apenas o
sorriso de quem disse isso continuou preso em minhas pálpebras.
˚ ˚ ˚ ˚ ˚
O coração
dela repentinamente foi tomado por uma dor intensa, parando sua respiração. O
homem ao seu lado, filho da família Iceburg, olhava para ela, admirado.
— O que
houve, Miku? Não está se sentindo bem?
— ...Ah,
não. Não é isso. É que... meu peito doeu um pouco,
— Isso
não é bom. Vamos ver um médico de uma vez.
— Ah, eu
estou bem, então não se preocupe com isso, por favor.
— Mas, se
meu anjo ficar doente, não conseguirei viver com o luto.
— Anjo...
Um anjo...
ela se virou para a janela. Se anjos realmente existissem, eles estariam voando
livremente com suas asas pelos céus?
— Se...
eu encontrasse um anjo...
Ao lado
dela, após ouvir que ela estava bem, ele imediatamente começou a olhar pelos
trajes novamente.
— Eu
queria voar com eles pelo vasto céu.
— Haha.
Você diz umas coisas adoráveis. Mas não voe para longe. Eu vou ficar solitário.
— ...Ah,
Sr. Iceburg.
— Falando
nisso, este anel—
— Hã?
— Parece
que você o trata como um tesouro, mas... eu gostaria que você usasse o anel de
noivado que comprei.
— ...!!
O
visconde lentamente pegou uma pequena caixa do bolso de seu peito, e pôs em seu
dedo anelar esquerdo um anel com um grande diamante.
— Uau, é
muito lindo.
— Combina
perfeitamente com sua beleza.
—
Obrigada.
— Fico
feliz que você tenha gostado. Este anel de flor que você sempre usa— agora que
você tem este, não precisa mais dele, não é?
— Hm? Ah,
n-não.
— Então,
eu vou guardar para você.
Ele disse
isto, e tirou o anel que estava sempre em sua mão direita. Pensando nisso, por
que ela sempre colocava este anel todos os dias? Ela não conseguia se lembrar
de onde havia comprado. Enquanto encarava o diamante admiravelmente belo e que
tanto combinava em sua mão esquerda, ela derivou em pensamentos.
A dor que
ela sentiu em seu peito deve ter sido apenas sua imaginação. Mas—
Ela
sentia solidão em seu coração, como se um buraco negro tivesse sido aberto. Parecia
que ela havia esquecido algo muito importante.
Talvez
fosse apenas por causa deste belo fim de tarde. O céu vermelho intenso parecia
quase sentimental à vista, a cor era um tanto nostálgica.
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