Maio de 2004. Em um navio
nos mares alemãs, na vizinhança da ilha de Growerth.
— Vampiros, sabe...
Um homem alto começou a falar. As pessoas ao seu redor engoliram a
seco em silêncio.
— Eles não são uma raça unificada. Vocês os veem em filmes e
livros a todo o tempo. E é claro, alguns de vocês aqui já os viram
pessoalmente... embora eu deva dizer que acho que mesmo neste momento vocês não
os olharam nos olhos.
O homem suspirou profundamente, sorriu e continuou.
— Afinal, é o nosso trabalho exterminá-los antes de olharmos o seu
rosto. Quando mais forte eles forem, mas cuidadosos devemos ser para não
olharmos para eles nunca. E, enquanto estão roncando em seus caixões, nós
levamos a maldita coisa para a luz do sol e... boom!
O homem repentinamente abriu seu punho, fazendo um gesto como algo
explodindo.
Várias pessoas entre eles riram e suspiraram.
— Até mesmo os mais fortes tendem a odiar a luz do sol. E claro,
deve haver algum que nem mesmo pisque sob a luz do sol, mas nem mesmo eles
conseguem lutar contra nós. Estou certo?
O homem sorriu e apresentou uma conclusão um tanto quanto ilógica:
— Os vampiros são fracos. Eles não resistem a aquelas coisas que
vocês veem em filmes e lendas.
Neste incaracterístico dia ameno no céu do norte, um grupo com
cerca de dezenas de pessoas se reuniu no convés da balsa de carros. Embora a
maioria esteja vestida como turistas, havia algo incomum na forma que
caminhavam.
— Bem, acho que eles devem ser muito diferentes de um humano
normal, mas digo que lutar contra um vampiro não é nada comparado a lutar
contra, digamos, um tubarão.
O homem musculoso que estava falando no centro do grupo vestia
jaquetas militares. As incontáveis cicatrizes em seu rosto e em seus braços
eram provas das batalhas que ele se envolveu no passado. Sua aparência fazia
parecer que havia ainda mais cicatrizes escondidas sob suas roupas, e que seu
rosto não estava menos marcado que seu corpo.
— Em outras palavras, eles
não são uma espécie unificada. Não estou falando sobre a cor da pele nem nada
deste tipo. Cada país e região tem seus mitos vampíricos diferentes, e é
exatamente assim que as coisas são na realidade. Alguns voam, outros são mais
lentos que humanos. Alguns se tornam morcegos, sopram fogo, ou hipnotizam
pessoas fazendo contato visual. Mas eu nunca
vi nem mesmo um único vampiro que consiga fazer todas estas coisas, como nos filmes. Eu não entendo o porquê, mas
encarem isso como se cada vampiro fosse de uma raça diferente dos outros. Isso
serve para as fraquezas, também. Alguns conseguem atravessar a água sem o menor
problema, outros são imunes a crucifixos, mas temem alho, e assim por diante.
Perfurar seu coração com uma estaca geralmente funciona, mas alguns vampiros
são imunes até mesmo a isso.
O homem com cicatrizes riu, balançou sua cabeça, e levantou um
dedo no ar.
— Contudo, a maioria deles têm algo em comum. Eles não resistem à
luz do sol. Alguns viram cinzas antes que você consiga piscar, outros são
apenas enfraquecidos pelo sol. Mas a única coisa que precisamos fazer é tomar
vantagem disso, e boom! O trabalho está feito. Por isso nossa estratégia é
pegá-los durante o dia enquanto eles ainda estão na cama, e gentilmente
carregar seus berços de morcego. Após isso, nós cravamos umas trinta estacas no
caixão e a deixamos explodir. É assim que as coisas funcionam por aqui. E
então, quantos novatos temos aqui hoje?
— Dois, senhor. Nós temos o Val, aqui... — respondeu um homem
magro de óculos. Um homem caucasiano que parecia ter acabado de entrar na casa
dos vinte anos deu um leve aceno para os outros.
Cargilla, o líder do grupo, com as cicatrizes, olhou para o outro
iniciante e falou, cortando o homem de óculos.
— E também temos nossa Devoradora aqui.
— ...Correto. — Murmurou o homem de óculos, desviando olhar.
Lá estava uma jovem mulher de descendência asiática. Por seus
traços, ela claramente ainda não era uma adulta — talvez uma adolescente, que
não estaria deslocada que estivesse em um colegial. Ela vestia uma jaqueta de
couro branco, e seu longo cabelo estava fracamente presa em suas costas.
A garota, a quem Cargilla se referiu como uma “Devoradora”, estava
sentada de lado sozinha, olhando para o mar. As águas estavam
surpreendentemente gentis com o céu do norte de hoje enquanto ela observava sem
demonstrar uma curva de emoção.
Ela está na mesma posição há minutos, sua pele estranhamente
pálida exposta ao ar salgado. Cargilla bufou.
— Hmph. Fazendo uma pose e tanto, hã? Bem arrogante para uma
sanguessuga.
Foi então que o jovem chamado Val hesitantemente falou.
— O que quer dizer com “sanguessuga”, senhor? E, hm... sobre esta
garota. O que é uma “Devoradora”?
Todos ficaram tensos com a pergunta de Val.
Cargilla coçou sua cabeça, irritado, e quietamente falou ao
iniciante.
— Novato. Qual o seu trabalho?
— Hã? Nós somos exterminadores de vampiros, não é?
— Exatamente. — Cargilla respondeu com um aceno de cabeça a
pergunta distante de Val. — Não somos tão mercenários quanto funcionários da
saúde e bem-estar. Nós encurralamos vampiros durante o dia quando eles não
conseguem lutar, e cuidamos deles calma e rapidamente. E então nós recebemos
nosso pagãmente, seja de uma cidade aliviada ou do conselho do vilarejo, um
milionário que teme pela segurança da filha... ou uma organização religiosa
para onde pessoas como eles rastejam quando estão com problemas. Certo?
— Certo, senhor.
Essas pessoas não são parte de nenhum grupo oficialmente
sancionado. Eles eram um time que exterminavam vampiros para viver — não uma
sociedade secreta que agia nas sombras, mas um grupo que colocava anúncios em
revistas e jornais, e tinham um site na web.
Estas pessoas — a autoproclamada “Inc. de Bem-estar Sobrenatural,
filial 666 — vendiam armas contra vampiros como spray de alho, kits de estacas
e marretas, e talismãs escritos com sangue de galinha para os clientes
asiáticos pela internet. A maioria das pessoas que acessavam suas páginas via
isso como uma brincadeira boba. Mas ele tem uma quantia supreendentemente
grande de clientes que compravam seus produtos por diversão. Por fim, o lucro
de suas vendas chegava a milhões todos os anos.
Mas da perspectiva destes “exterminadores”, seu trabalho em
eliminar vampiros era completamente sério. Eles faziam negócios como qualquer
outra empresa, mas eles não tinham uma base de operações, e constantemente
mudavam-se de um lugar para o outro. Era como se eles temessem algum tipo de
retaliação.
— Ninguém no mundo suspeita de nós. Se nossos anúncios forem ao
menos um pouco realista para eles, receberemos reclamações sobre fraude ou
propaganda enganosa, mas usando uma placa que diga “Exterminadores de
Vampiros”, vai funcionar. Por isso que nós também usamos o infantil subtítulo
“666”.
Cargilla riu, seus dentes brancos à mostra entre seus lábios.
— As pessoas que vêm até nós são aquelas que foram atacadas por
vampiros de verdade. Outros indicam que procurem igrejas, uma delegacia ou um
hospital no máximo, e no fim eles vêm até a gente porque não têm mais para onde
ir. Um pai dizendo “os olhos da minha filha parecem vazios e há duas marcas
vermelhas no pescoço dela”, uma criança afirmando que testemunhou sua mãe fazer
coisas sujas com um morcego na calada da noite, ou alguém que descobre ser a
única pessoa sã em sua família.
Embora eles nunca tenham encontrado casos tão exagerados antes,
Cargilla riu auto depreciativamente.
— E a parte mais importante do nosso negócio é ganhar o máximo de
dinheiro possível dessas pobres almas desesperadas. Se o cliente ainda for uma
criança, nós devemos começar fazendo os pais acreditarem em vampiros. Se a
família for pobre, convencemos a comunidade. E se não funcionar, a igreja
local.
— Igrejas? Eu pensei que eles já tivessem alguém lidando com os
vampiros? — disse Val. Cargilla agitou seu dedo indicador.
— Talvez eles tenham. Há muito mais pessoas fazendo esse tipo de
trabalho que nós imaginamos. Incluindo o governo. Aposto que a Rússia e os
Estados Unidos já devem ter um ou dois vampiros sob sua custódia para
realizares experimentos neles. Mas isso não é da nossa conta. O mesmo vale para
as igrejas. Deve haver outros grupos como nós que vão preferir trabalhar de
graça, mas é impossível conseguirem dar conta de todo esse trabalho. Isso por
causa da quantidade imensa de vampiros que há neste mundo.
— E as pessoas ainda pensam que os vampiros são um mito, não é?
— Não necessariamente. Há algumas pessoas que acreditam em
vampiros, mesmo sendo céticos quanto a OVNIs e fantasmas. E como eu disse
antes, todos eles têm diversas diferenças. Alguns nem bebem sangue. São
vampiros apenas de nome. Há idiotas na América do Sul que só bebem sangue que
animais da pecuária que acabam sendo confundidos com aliens.
O novato parecia um tanto quanto confuso. Cargilla falou antes que
o jovem conseguisse fazer sua pergunta.
— Mas nada disso importa no fim. Eles bebem sangue humano ou não?
Francamente, não importa se o vampiro está do lado dos humanos, se é legal ou o
que seja. O que importa é que os matemos e que recebamos por isso.
— Mas isso não lhe incomoda, senhor?
— Por isso que nós os matamos sob a luz do sol. E também é por
isso que não olhamos em seus rostos. Alguns vampiros parecem as mulheres mais atraentes
do mundo, ou até mesmo crianças inocentes. Agora imagine que um desses vampiros
o olhe nos olhos e diga “eu não sou seu inimigo, por favor, acredite em mim.”
Se eles estão dizendo a verdade ou não, você sempre vai encontrar algum idiota que acredite nisso. Por isso os
explodimos em pedaços antes que consigam dizer se são bons ou malignos.
— Isso é bem brutal.
— E suponhamos que realmente seja
um bom vampiro que nos contratem para lidar. O fato de alguém nos fornecer o
esconderijo, significa que ele já fez algo que mereça ser reportado. Podem não
haver vítimas ainda, mas no momento em que os moradores sintam medo e entrem em
contato conosco, é o fim.
Cargilla acendeu um cigarro barato e olhou para o céu azul claro.
Não havia excitação ou simpatia em seus olhos. Ele estava falando
como um homem de negócios, nada mais.
— Assim como desta vez — concluiu. Mas Val falou para continuar a
conversa.
— Hm, eu não sei se isso responde a minha pergunta.”
— Hã? Que pergunta? — respondeu Cargilla, parecendo ter realmente
esquecido. O novato repetiu, embaraçado.
— Senhor, aquela asiática! Afinal, o que ela é?
Os olhos de Cargilla se arregalaram pela lembrança. Ele exalou uma
nuvem de fumaça de cigarro.
— Ah. É claro, claro. Desculpe por isso. Esqueci completamente. —
ele inalou a fumaça do cigarro, sentindo a reverberação da balsa. — Nosso
trabalho é caçar vampiros pelo pagamento, mas nem todos trabalham pelo mesmo
motivo. Uma vez a cada lua azul, você encontra alguém que não está fazendo isso
por sua fé, dever ou senso de justiça. Aquela garota é uma das melhores desses.
Sabe, ela é uma Devoradora. E nós trabalhamos com pessoas como ela de vez em
quando.
Cargilla parou, liberou a fumaça de seus pulmões, e continuou.
— O nome já diz tudo, não é? Eles comem vampiros.
— ...O quê?
O novato olhou ao redor, confuso. Mas seus colegas de trabalho
desviaram o olhar, e vários olharam para a garota com olhares repulsivos.
— É como um tipo de magia negra. Eles são um bando de loucos. Eles
rasgam o pescoço do vampiro antes que eles consigam pegar o deles.
— O que isso significa, senhor?
Cargilla respondeu simples e verdadeiramente.
— Eles devoram a carne do vampiro, bebem o sangue dele, o matam, e
depois misturam as cinzas deles em água e a bebem. Eles tentam conseguir o
poder dos vampiros enquanto continuam sendo humanos.
Val levou uns cinco segundos para processar a nova informação. Ele
olhou para a garota com uma expressão um pouco diferente de antes.
— Isso é mesmo possível?
— Quem sabe? Eu já tentei a parte das cinzas, mas nunca funcionou
para mim. Acho que o sangue deve funcionar melhor, mas como alguém conseguiria
o sangue de um vampiro sem acordá-lo, em plena luz do sol? Sob o sol, eles
viram cinzas imediatamente. Nas sombras, eles lutarão de volta. Mas aquela
garota é meio que uma celebridade no meio de nossa área de trabalho. Não
consegue se tornar morcegos ou um lobo, mas em termos de força bruta e tempo de
reação, ela literalmente está no nível de um vampiro. Você entenderá quando a
vir em ação. Você não conseguirá deixar de acreditar.
Uma fagulha de ódio e pavor surgiu no olhar de Cargilla.
— Ouça, novato. Isso não significa que eu odeio o poder dela. Eu
fico assustado pelo fato dela ter conseguido beber o sangue de um vampiro antes
que ele se tornasse uma pilha de cinzas. Alguns dizem que ela fez um pacto com
um vampiro para conseguir beber o sangue dele atraindo trinta exterminadores
como nós para uma armadilha.
Ainda era possível que ela tenha bebido o sangue de um vampiro
apenas enfraquecido pela luz do sol à força, mas Cargilla não parecia
satisfeito com essa conclusão.
— Se você quiser uma forma mais fácil de conseguir o poder de um
vampiro, apenas deixe que um o transforme. Se você ainda não estiver
corrompido, ficará tudo bem. Mas os Devoradores são diferentes. Sujos. Tentando
ganhar todos os poderes de um vampiro, mas nenhuma de suas fraquezas. Se
Caçadores de Vampiros realmente existissem, não seriam dhampirs como nas
lendas. Seriam pessoas como ela... com pensamentos rápidos, desonestos, e tão
determinados que irritam qualquer um.
Ele forçou seu cigarro contra o convés, apagando-o.
— Assim como os vampiros — concluiu.
Quando sua missão foi confirmada, uma garota solitária chegou no
local do recrutamento, pedindo para se unir a eles.
Eles estavam no meio de um grande e plano terreno baldio. O único
caminho a vista levava direto ao horizonte. Não havia nada além de um pequeno drive-thru e uma van estacionada ao
lado.
Cargilla, sentado no assento do motorista da indescritível van,
olhou para a garota do lado de fora como se examinasse um espécime científico.
Com um olhar ele conseguia
dizer que ela tinha descendência asiática. Sua imagem era bem completa para
ainda ser chamada de “garota” — seus braços e pernas eram magros, mas
musculosos, semelhante a um felino na melhor forma. Sob sua fina jaqueta
branca, ela vestia apenas uma regata.
Normalmente Cargilla optaria por um assobio, mas ainda havia um
traço de juventude no rosto da garota, e ela estava encarando-o enquanto
suprimia algum tipo de emoção. A incongruência de sua aparência convencia
Cargilla a pensar duas vezes sobre tratá-la como uma mulher —claro, ela ainda
era muito jovem para ele, de qualquer forma.
A garota estranha falou primeiro em seu idioma desastrado.
— Hm... Mais uma vez. Matar vampiro da ilha Growerth. Quero
ajudar.
No início, ele pensou que fosse uma brincadeira e cogitou sair do
carro para afastar a garota.
— Ei, mocinha. Onde ouviu sobre nós? Hackeou nosso site ou coisa
assim? Eu sei que não estamos na posição de considerar qualquer coisa como uma
piada nem nada, mas isso não é uma excursão... o qu—?
— Eu sei.
A voz da garota veio de trás dele.
Quando ele saiu do assento do motorista, ela inegavelmente estava
na frente do carro. Mas quando ele percebeu, a garota havia desaparecido e
reaparecido diante dele.
Sua voz monótona e madura parecia com a de um assassino lendo uma
sentença de morte. Medo gélido corria por suas veias.
— Eu sei. Eu vim porque sei.
“Ela é um vampiro?!”
Mas naturalmente, ainda era manhã. O sol estava queimando o bastante
para fazer sua pele formigar. E até onde Cargilla sabia, nenhum vampiro
resistia ao sol. Algumas lendas contam sobre vampiros imunes à luz do sol, mas
cada um dos vampiros que ele encontrou até então evitavam como uma praga e
viviam nas sombras.
“Você não pode conseguir uma
lenda por preço nominal.”
Ele já havia dito isto antes. E quando um subordinado perguntou, “e se acabarmos lutando contra um que seja
imune à luz do sol?”, e ele respondeu “então
todos seremos hipnotizados e transformados em zumbis, ou teremos nosso sangue
drenado e nos tornaremos comida seca e congelada.”
Tais vampiros, no entanto, não existiam. E mesmo que existissem,
ele estava certo de que não iriam interferir em um grupo pequeno como estre —
não que ele esteja planejando encontrar um. Criaturas assim são melhores
deixadas para uma polícia especial ou organização secreta do Vaticano, ele
pensou.
Eles apenas estão fazendo negócios almejando um nicho. Eles não
iriam expandir o mercado, e meramente exterminavam vampiros que eram fracos sob
a luz do sol e eram pagos em troca. Era assim que eles viviam.
Mas uma existência que ia completamente contra essa filosofia dele
apareceu diante dele e desapareceu logo atrás.
Se ela fosse mesmo uma vampira que conseguia se mover em tamanha
velocidade sob o sol, seria o seu fim. Cargilla chegou a esta conclusão, mal
conseguindo suprimir seu grito, mas incapaz de impedir o suor frio que escorria
de seu corpo.
— Eu vou ajudar, não ficar no caminho. — A garota disse sem
qualquer emoção. Cargilla precisou de toda a coragem que já teve para
responder.
— Qu-quem é você? O que você quer?
A resposta da garota foi monótona, mas claramente tinha um poder
maior no fundo.
— Kijima Shizune. Japonesa. Dezesseis anos de idade.
Sua última descrição respondeu às perguntas de Cargilla.
— Devoradora.
†
Ela podia ouvir as vozes temerosas e sentir os olhares dos outros
enquanto ela ouvia o som das ondas.
Shizune Kijima fechou os olhos.
“Eles acham que não consigo
ouvi-los? Ou estão fazendo isto de propósito?”
“Não... Acho que a maioria
das pessoas não conseguiriam ouvir tão bem assim. Humanos normais não fazem
isso. Mas eu consigo porque sou diferente. Eu consigo ouvir coisas que não
preciso ouvir — coisas que não
quero ouvir.”
A garota em couro branco decidiu ignorar as conversas de seus
aliados. Val, que estava suavemente a persuadindo antes de tomarem a balsa,
agora estava sussurrando sobre ela com pressa.
Claro, Shizune o ignorou por completo antes, e não via mal algum
em continuar fazendo-o. Ela também sabia que seus companheiros — não,
exterminadores — também estavam a ignorando. Mas isso não abalou o mínimo de
sua determinação.
“Eu escolhi este caminho por
mim mesma. Não tenho arrependimentos.”
A decisão de Shizune matar vampiros era simples, mas firme.
Vingança. Foi assim que tudo começou.
O vampiro apareceu em suas costas quando ela ainda vivia em um
pequeno vilarejo nas montanhas de Hokuriku.
Sendo completamente ignorante, despreparada e desinteressada em
vampiros naquela época, a chegada da criatura sinalizou o começo de um fim para
Shizune.
Começou com dois pequenos problemas. Dois pequenos furos.
Duas feridas como furos no pescoço de seu irmão mais novo.
Foi a noite em que tudo foi roubado dela.
Naquela noite, um incêndio florestal atingiu o pequeno vilarejo,
deixando para trás vinte e dois corpos carbonizados. O incidente deixou o Japão
abalado por cerca de um mês. E nada aconteceu após isso.
A autópsia mostrou que as vítimas foram todas mortas antes de seus
corpos serem queimados. Revistas de fofocas não perderam tempo em fazer
comparações ao Massacre de Tsuyama[1].
Mas a falta de uma causa exata da morte significava que ninguém sabia ao certo
se foram homicídios ou suicídios. O caso foi deixado para desaparecer com a
incerteza.
A garota de dez anos que evitou por pouco a tragédia também
desapareceu, como se para desviar a atenção da mídia. E agora, anos depois, ela
estava em uma balsa que a levava para a ilha de Growerth.
O que ela queria no momento em que resolveu caçar vampiros era
apenas o poder.
Tendo escolhido a jornada de uma Devoradora, Shizune estava mais
que acostumada com a solidão. A frieza de seus companheiros não a incomodava.
Ela apenas não gostava de ter que ouvir suas vozes.
Ela não conseguia suportar ouvir os outros falando dela com medo,
desgosto, ou às vezes com simpatia e pena, mesmo sem saberem nada sobre ela.
“Se ao menos as pessoas não
tivessem vozes e linguagens. Se pudéssemos nos comunicar apenas com ações...”
Já se passaram mais de seis anos desde que ela bebeu sangue de
vampiro pela primeira vez.
A forma mais fácil de ganhar poder — poder para aniquilar vampiros
— era se tornar uma Devoradora.
Desde então, ela já devorou a carne de centenas de vampiros, bebeu
seu sangue e até mesmo as cinzas.
Em suas primeiras matanças, ela precisou pegá-los de surpresa ou
receber a ajuda de outros, mas quando devorou cerca de dez vampiros, sua força
era o bastante.
Ela cercava sua presa com seu poder bruto e cravava os dentes em
seus braços e pernas. Sua vítima seria mortificada por ela — a humana — e suas
habilidades de força sobre-humanas, e o choque logo dava lugar para medo.
Esses breves momentos eram precisamente pelo que Shizune vivia.
Eram a luz de sua vida e o maior prazer permitido a ela.
Quando sentiu-se alegre pela primeira vez ao ver isso, ela
percebeu algo: no momento em que aceitou a vingança como um prazer, ela perdeu
sua humanidade.
Shizune encarava o vampiro diante dela, dissolvendo-se em cinzas
sob o luar com uma estaca em seu peito. Por um momento, ela sentiu o desespero,
mas levou uma mão ao rosto, que tinha um sorriso malicioso se formando, e
percebeu algo mais.
A expressão no rosto do vampiro — de medo, desespero, choque e a
pergunta — “Por que eu?”.
Era a mesma expressão que Shizune tinha na noite em que sua vida
virou de cabeça para baixo.
Ela matou diversos vampiros. Ela os aniquilou.
Os muitos e muitos e muitos que houvesse.
Ela não ia de forma descuidada atrás dos vampiros. Shizune deliberadamente
escolhia seus alvos, certificando-se de escolher os que tivesse certeza que
conseguiria derrotar. Saboreando cada refeição enquanto continuava a aprimorar
sua força e experiência.
Vingança não era mais sua motivação. Ela estava sendo controlada
por uma força maior invisível.
“Não, não é isso. Não há um
poder invisível nas alturas. Eu mesma me controlo. A força que me move está bem
aqui.”
Ela continuou a matar vampiros um após o outro para continuar
sendo ela mesma, pensou, tentando justificar suas ações.
Mas conforme ela continuava se extasiando em massacrar sua presa,
o fato de sua mentira que contou para si mesma voltou a ela.
Conforme a vida seguia, Shizune eventualmente parou de pensar
nisso. Ela sabia que, não importa a qual decisão chegasse, ela nunca iria
parar.
“Eu sou um monstro. É claro
que as outras pessoas me evitariam.” pensou, permitindo seus pensamentos
desdenhosamente vagar de volta aos outros exterminadores.
“Eu sei como é ser uma
Devoradora. Então posso me perdoar. Eu tenho o direito de pensar assim, odiando
e menosprezando a mim mesma. Mas quem eles pensam que são? Falando pelas minhas
costas com nada além de presunções para se afirmarem. Eles não sabem nada sobre
mim. Eles têm sorte com seus alvos e pensam que são fortes. É como chutar a
resposta de uma pergunta de múltipla escolha. E ainda ficam dando sermões como
se soubessem tudo.”
Decidindo que era inútil reclamar sobre seus problemas em voz
alta, Shizune voltou sua atenção ao mar.
O ar estava calmo, mas as ondas abaixo surgiam para lá e para cá.
E ao longe, no centro do horizonte além da balsa, um pequeno ponto
apareceu.
A pequena forma logo se expandiu no horizonte, se tornando-se uma
montanha rodeada de verde.
Uma cidade de tamanho considerável logo ficou visível ao pé da
montanha. O sentido de visão sobre-humana de Shizune a permitiu localizar certa
estrutura no meio do cenário.
O Castelo Waldstein. Dito ter sido nomeado em homenagem ao seu
mestre, e renovado por completo, e exceto por uma pequena seção, foi designado
como atração turística. Esta pequena seção é onde Shizune e os exterminadores
tinham negócios a tratar.
Lembrando o motivo pelo qual ela estava na ilha, Shizune
quietamente voltou a focar.
†
A balsa aportou na ilha. Turistas e suas bagagens desembarcaram um
após o outro.
— Está um clima perfeito hoje. Parece que vamos terminar antes do
pôr-do-sol — disse Cargilla. O homem de óculos, que parecia ser o segundo em
comando, falou.
— Senhor, nós também temos que falar com o cliente diretamente.
— Vamos nos separar. Você leva algumas pessoas para ver o cliente
e me entra em contato comigo pelo rádio se algo de errado acontecer.
— E quanto a você, senhor?
— Não falo um pingo de alemão. Mas não deve ser problema para um
nativo como você, não é? Conto com você.
O subordinado assentiu e deixou o grupo na companhia de dois
exterminadores. Seu grupo trouxe duas vans e um carro pequeno para este
trabalho. O homem de óculos entrou no veículo menor, e começou a deixar o porto
com seus dois companheiros.
Então ele vislumbrou os tripulantes descarregando algumas cargas.
— ...? Aquelas caixas parecem um pouco grandes para turistas
estarem carregando. Me pergunto se alguém irá morar aqui.
O carro do homem de óculos seguiu tranquilamente em silêncio na
rua pavimentada, além dos desajeitados trabalhadores carregando o que tinha o
tamanho de uma cama.
Após ver seus subordinados partirem, Cargilla olhou para a vista
da cidade portuária e deu seu veredito.
— Estranho.
— O que quer dizer? — perguntou Val, o novato.
Independente de estar ou não consciente da curiosidade de Val,
Cargilla continuou como se estivesse falando consigo mesmo.
— Pode ter sido um pedido indireto,
mas nós basicamente recebemos o pedido do prefeito para exterminar um vampiro.
Se as coisas chegaram tão longe assim, então teria boatos por toda a rua. Mas
este lugar está muito enérgico. Muito pacífico.
— Talvez há boatos, mas ninguém acredite neles. Ou talvez apenas o
prefeito e seus intermediários saibam sobre isso...
— ...Não. Julgando por experiência, quando há vampiros, sempre há
algo como um presságio ou sensação estranha. Seja um destino turístico ou não,
sempre que há boatos, pessoas ficam suspeitas de grupos de muitos visitantes
como nós. Mas...
Cargilla observou o porto mais uma vez e balançou a cabeça,
derrotado.
— ...Está quieto até demais.
Pouco antes de sair da van, o líder dos exterminadores olhou para
a cidade e murmurou para si mesmo.
— Está em um estado melhor até mesmo de lugares que não têm vampiros...
As duas vans e o carro de cada passageiro que estava a bordo
eventualmente desapareceu.
Diante da carga que fora transportada ao porão do escritório
portuário, um par de trabalhadores começou a cochichar um para o outro.
— Enfim, é uma honra e tanto, não é?
— O quê?
— Eu não acredito que fui encarregado de transportar a família do
Visconde Waldstein!
O porão estava escuro, iluminado por apenas uma luz fluorescente.
Contudo, a sala parecia menos com uma câmara de armazenamento e mais com uma
sala de espera de classe alta. As cargas que foram trazidas aqui tinham todas o
nome de um dono em particular, e foram todas envoltas com o maior cuidado.
— Eu sinto que não sou digno, sabe? Eles poderiam ter deixado seus
familiares fazerem isso. Então... que diabos aconteceu com todos eles? Aquelas
donzelas de verde, as baobhan siths[2],
não é? Todas aquelas donzelas! Consegue acreditar?
Da carga, apenas duas peças foram desembaladas — um par de
pequenos caixões. Um dos trabalhadores, diante deles, reclamou cansadamente.
— Ouvi dizer que estão limpando tudo depois da viagem. Os dois só
queriam voltar mais cedo.
— Então eles não podem esperar na fila como o resto de nós, hã?
Crianças são crianças — o trabalhador riu.
Neste exato momento, uma voz baixa escapou de um dos caixões.
— É realmente desapontante.
A voz era, sem dúvidas, jovem e feminina, tingida com uma beleza
cristalina.
— Desde quando foi permitido que as pessoas desta ilha zombassem
de seus mestres?
Os trabalhadores congelaram. Um dos caixões estava aberto.
No momento em que ouviram sua voz, os homens viraram seus olhares
nervosos para os caixões. Mas nunca perceberam que a tampa estava aberta.
— E pensar que os plebeus inferiores ousariam insultar o Honorável
Irmão...
Ira e desgosto estavam claros em seu tom. E quando as palavras
chegaram aos ouvidos dos homens, uma garota estava diante deles.
Ela vestia um vestido gótico principalmente preto. Seu olhar, tão
afiado que não podia ser humano, encarou os homens como uma adaga.
Claro, ela não parou o fluxo do tempo nem se teleportou para seu lugar
atual. Os homens estavam apenas tão aterrorizados que suas mentes estavam
pregando peças neles. Atirando gasolina no incêndio estavam os graciosos
movimentos da garota, fluindo e sem excessos.
— ...!
— ...Vo-vo-você... a-acordou—
Enquanto os homens procuravam palavras, a garota lançou sua fúria
tranquila sobre eles.
— Estavam contando com a luz do sol para proteger seu segredo?
Agora entendo exatamente como vocês falam de nós quando não estamos presentes.
— N-não mesmo, milady! Não estávamos—
— Cale sua boca desprezível, seu miserável!
A explosão de fúria repentina da garota deixou os homens
petrificados, como se suas palavras fossem um feitiço mágico. Embora fosse uma
fala comicamente não combinante com a época, os olhos da garota possuíam um
brilho sobre-humano, e não deixariam que elas fossem vistas assim.
Os joelhos dos homens tremeram conforme seu medo chegou ao auge.
Mas de repente —
— Waaaah...
Era um bocejo descontraído o bastante para quebrar um medo de mil
anos.
Os trabalhadores sentiram que a atmosfera congelada da sala
instantaneamente derreteu, e perceberam que o bocejo veio do segundo caixão.
Ao mesmo tempo, perceberam que a garota estava apertando suas
gargantas com um olhar de quem poderia matar.
— !
Soltando um grito mudo, os trabalhadores começaram a suar frio. As
mãos da garota eram pequenas e infantis, mas os homens notaram a sede de sangue
com a qual ela apertava seus pescoços. Se não fosse pelo bocejo, suas vidas já
seriam perdidas.
A garota abaixou suas mãos assim que uma voz escapou do segundo
caixão. Era a voz de um garoto, descontraída e gentil, em completo oposto à da
garota.
— Olá. Ah, muito obrigado por nos carregarem até aqui.
— Hã...
Os trabalhadores ficaram boquiabertos e confusos. O garoto no
caixão, embora, parecia não os ter ouvido. Ele continuou indiferente.
— Nós podemos nos cuidar sozinhos. Podem voltar ao trabalho agora.
A voz de dentro do caixão fechado era calma e sincera, sem traços
de zombaria escondidos em seu tom.
Embora tenha demorado alguns momentos, os trabalhadores recobraram
os sentidos e dispararam pela portaria da escadaria, como se tivessem sido
salvos agora mesmo.
Deixados para trás estavam o irmão no caixão e a quieta irmã.
Era como se o silêncio fosse durar para sempre. Mas a irmã —
Ferret von Waldstein — monotonamente criticou seu irmão.
— ...Honorável Irmão, esse foi um ato demasiado misericordioso.
A voz do caixão fingia que não havia nada de errado.
— O que quer dizer?
— Honorável Irmão, de todas as desculpas esfarrapadas para dizer,
fazer vista grossa para aqueles miseráveis... Aqueles de nossa linhagem não têm
a necessidade de respirar. Qual é a razão para bocejar?!
— Quem se importa? Não é como se nossa linhagem tivesse algum
poder, afinal.
— Honorável Irmão, estou envergonhada! — gritou Ferret. Sua voz
ecoou para lá e para cá no porão. O ar começou a se abalar.
Mas a voz do irmão dentro do caixão — Relic — não ponderou no
mínimo.
— Se você acha que estou fazendo algo de errado, então vá em
frente e diga. Mesmo que signifique discordar comigo. Você se lembra? Eu só
quero que você seja você mesma.
Assim como o irmão se recusava a hesitar, a irmã se recusava a
aceitar seu pedido.
— E eu já declarei minha resposta. Devo exercer esta liberdade e
escolher continuar ao seu lado desta forma, Honorável Irmão.
— Então a força imparável encontra o objeto imóvel, hã? ...Me
pergunto como nosso Pai resolveria isso.
— O Pai não tem relação com este assunto! — Ferret aumentou sua
voz para o tom meio brincalhão de Relic.
O caixão de Relic ainda estava fechado, mas Ferret conseguia ver
claramente o risinho no rosto do irmão — não que ela consiga ver através de
objetos, mas conseguia previr as ações de seu irmão e suas expressões até certo
ponto.
Relic riu em silêncio, assim como sua irmã esperava, e ficou quieto.
— Eu vou dormir um pouco mais. Temos que encontrar muitas pessoas
quando o sol se pôr...
Ferret conseguia ouvir a animação na voz de Relic. Ela desviou o
olhar de seu caixão pela primeira vez e suspirou.
— Você quer dizer que deseja ver sua amiga de infância humana. O
nome dela era Hilda, não é?
Relic não estava tão imperturbável desta vez.
— ...Você está tentando dar o troco em mim ou algo assim? Você
conhece Hilda há tanto tempo quanto eu.
— Está não é minha intenção. Não é da minha conta se você sente
afeição por uma garota humana, Honorável Irmão. A questão de você sentir-se
culpado pelo envolvimento com sangue humano, se esse assunto o leva a acreditar
que um vampiro nunca poderia se apaixonar por um humano, e se isso o leva a
temer confessar seus sentimentos pela Hilda ou não, não tem absolutamente nada
a ver comigo.
— Cui-cuidado! Eu poderia fazer um filme completo sobre meus
problemas. Você não pode resumir assim tão rápido! — Relic gaguejou, perdendo a
liderança na conversa. Houve um baque
vindo do caixão, deixando claro que ele acabara de bater com a cabeça no
interior do caixão.
Ferret sorriu e continuou a encurralar seu irmão, sua entonação se
recusando a dar algum indício de emoção.
— Eu entendo. Eu entendo tudo o que tem para saber sobre você,
Honorável Irmão. Como você nem ao menos uma vez permitiu-se beber sangue humano
à força. Como você apenas bebia sangue em ocasiões raras, e só com
consentimento. E como você nunca tentaria subjugar o humano!
O caixão de Relic permaneceu em silêncio. A frustração de Ferret
subsidiou rapidamente, e ela desviou o olhar como se o que ela iria dizer fosse
feri-la tanto quanto a ele. Ela já havia notado o quão longe fora com suas
acusações, mas não havia mais como voltar atrás neste ponto.
— E... porque isso tudo foi porque você não conseguiria esquecer a
Hilda.
— ...Isso é tudo o que você queria dizer, Ferret?
A resposta de Relic foi tão calma e clara que Ferret tremeu por um
momento.
Um silêncio indescritível se deu entre os irmãos, o caixão entre
eles.
Quanto tempo se passara? Relic foi o primeiro a quebrar o
silêncio.
— Zzzz...
Ele estava respirando levemente, quase exagerando na infantilidade
do som.
Ferret estava estupefata com isto, mas só por um momento. Um olhar
teimoso apareceu em seu rosto conforme ela aumentava sua voz de novo.
— Honorável Irmão, eu já lhe disse isto — um verdadeiro vampiro
como você não necessita respirar.
— ...Hã... ronco... zzz...
A respiração exagerada continuou. Ferret, irada, deu um passo para
trás e entrou em seu próprio caixão.
— Hmph! Eu não vou mais me importar!
Ela deu as costas para seu irmão e fechou a tampa de seu caixão.
A brisa do mar soprava pelo porão, agora realmente envolto no
silêncio.
†
Growerth não era, de forma alguma, uma ilha pequena. Era uma ilha
proeminentemente grande na Alemanha, com uma indústria turística moderadamente
bem-sucedida.
Havia diversas cidades na ilha, nas quais existia de tudo, de ruas
semelhantes às da Idade Média a centros cívicos e hotéis modernos. É claro, não
havia arranha-céus na ilha — o máximo são hotéis de cinco andares. Ainda assim,
nem um único quarto estava vago nesta movimentada época turística. Edifícios
antigos nas ruas largas que foram renovados em hotéis também eram bem populares
entre os visitantes.
Atualmente não era esta época, então no momento a população da
ilha consistia principalmente de moradores locais. Mas ainda não havia nada
raro em pouco mais de uma dúzia de homens e mulheres visitando por uma suposta
excursão de empresa. Ninguém deu atenção a Cargilla e os outros, separados em
duas vans.
Quanto às enormes bagagens, que continham todo o tipo de
ferramentas para sua troca, eles passaram alegando que continham equipamentos
de acampamento. Ninguém inspecionou a finco o interior das vans e do carro,
deixando os exterminadores com temor pela segurança relaxada de Growerth.
— Acho que não deveria estar reclamando de um golpe de sorte
desses.
Seus clientes desta vez era um casal vivendo na ilha. Eles
imigraram para da Grã-Bretanha para a Alemanha há cerca de dez anos. De acordo
com eles, os primeiros anos em Growerth não foram nada fora do comum. Mas um
dia, notaram algo assustador sobre o mundo ao seu redor.
Havia vampiros vivendo na ilha.
Não eram criaturas vagamente misteriosas ou supostos poltergeists.
Eram vampiros de carne e osso, suas formas eram claramente reais e físicas.
Era absurdo pensar que eles existissem. De certa forma, a
existência de fantasmas ou aliens seria mais fácil de acreditar.
No início, o casal também deve ter sido quem menos queria
acreditar. Embora Growerth seja uma ilha isolada, como poderiam imaginar que
criaturas como as de um filme-B e suspenses baratos estariam se escondendo em
plena vista?
— Como eles entraram em contato conosco?
Cargilla perguntou ao homem no banco de passageiro e girou o
volante.
— Parece que eles consultaram o prefeito em segredo. O prefeito
foi quem agiu como o mediador. Ele também sabia sobre os vampiros, então nos
contactou por uma referência. A princípio, o casal é nosso cliente, mas o
prefeito foi quem lidou com a maior parte do pagamento... O senhor não leu o
relatório?
Cargilla deu de ombros.
— Eu pulei esta parte. Eu só me importo com o lugar em que está o
covil de nosso alvo. Isso é tudo o que importa.
— De novo com essa irresponsabilidade... Senhor, fazer uma
pesquisa com antecedência deixará as coisas mais seguras para nós. Não se
lembra daquela vez que quase explodimos um maníaco de vampiros bem humano?
— Isso é história do passado — Cargilla riu um pouco e olhou para
o retrovisor.
A Devoradora estava na van que os seguia.
Ele não conseguiu ver Shizune nem no assento de motorista nem no
de passageiros. Ela provavelmente estava enroscada em algum lugar nos fundos do
veículo. E julgando pelo estado petrificado dos outros exterminadores naquela
van, não pareciam estar falando nem uma palavra com ela.
“Minha nossa. Acho que eles
não conseguem fazer muita coisa quando uma garota daquelas está por perto.”
Se ela fosse um pouco mais amigável, poderia começar uma conversa
com alguns colegas exterminadores. As pessoas tendem a evitar Devoradores a
princípio, mas a maior razão para a solidão dela é a própria atitude taciturna.
Na pior das hipóteses, é um alívio que ela não tenha dito nada
humilhante sobre seus colegas exterminadores, mas ninguém sabe o que está se
passando em sua cabeça.
“Droga. Eu tenho todo o
dinheiro e conexões do mundo, mas...”
Fazendo comparações inúteis em sua cabeça, Cargilla voltou sua
atenção para as montanhas para as quais estavam dirigindo.
Colinas menores ficavam ao redor delas, cobertas de árvores
efêmeras. E no topo da montanha diante deles havia um castelo como os da Idade
Média.
Atingia o ar majestosamente, como se estivesse reinando a cidade,
seu povo e até os navios veleando nos mares próximos.
— Não me espanta ser uma atração turística.
— O Castelo Waldstein... aparentemente habitado por um aristocrata
chamado Waldstein na Idade Média.
Conforme se aproximavam, a excelência do castelo se expandiu
diante deles, fazendo parecer que o ar ficara mais pesado.
— É um lugar incrível, devo dizer. Os Waldsteins eram tão
poderosos assim?
— Não tenho certeza. Não há muitos registros sobre eles hoje em
dia. Embora suponho que não poderia ser diferente, já que eles viviam em uma
ilha afastada que só se tornou atração turística recentemente.
— Não te faz pensar por que teria um castelo tão enorme em uma
ilha afastada?
Suor frio finalmente começou a escorrer das costas de Cargilla.
Ele conseguia sentir em seus ossos — havia algo diferente sobre esta missão.
Sinais de alarme estavam soando em sua mente, mas ele justificou o calafrio com
a presença da Devoradora e tentou manter a calma.
— É uma atração turística, mas há áreas do castelo que foram
isoladas para fins de preservação cultural — começou um homem, mas Cargilla o
interrompeu em tom alto.
— Eu já disse, eu li essa parte do relatório. O castelo é onde
nosso alvo está. Certo, pessoal! Avançar!
Uma pena, pois ninguém respondeu seus gritos ou torcidas.
— Vocês, malditos, não têm nenhuma ideia de sincronia, não é?
†
Um quarto no Castelo Waldstein.
— ...Que diabos.
Cargilla e os outros se infiltraram no castelo, junto com seus
equipamentos de extermínio.
— Isso foi fácil demais.
Se passou um minuto desde que invadiram o castelo. Eles agora
estavam encarando um caixão branco.
†
Um pouco antes.
Conforme os exterminadores desembarcaram de seus veículos, eles
ficaram frente a frente com o tipo de castelo que veriam em livros de contos.
Embora fosse uma suposta atração turística, não havia taxa de
entrada nem medidas de segurança. Eles tinham liberdade para ir onde quisessem.
Naturalmente, não havia uma mesa de check-in nem nada do tipo. Era como se o
castelo apenas estivesse lá, com os belos jardins cercando-o.
De acordo com o prefeito, ele bloqueou a entrada no castelo sob o
pretexto de renovação. Parece que ele cumpriu a palavra, já que os
exterminadores não sentiram nenhuma presença no castelo além das suas.
Contudo, a escala completa do castelo oprimiu seus sentidos. Os
exterminadores foram tomados por um medo completamente diferente do que
sentiram em suas missões anteriores.
Os vampiros que eles executaram até agora geralmente viviam em
cabanas nos arredores de assentamentos, mansões antigas, usinas ou cavernas na
montanha. Caçadas mais incomuns incluiam apartamentos, estacionamentos
subterrâneos e fábricas abandonadas, mas essa era a primeira vez na história da
companhia que eles tinham um alvo descansando em um local tão descaradamente
estereotipada.
Mas o que realmente os assombrou foi que quando eles entraram na
área isolada do castelo, quase nos fundos, encontraram o grande caixão branco
na primeira sala em que espiaram.
— E agora, Chefe?
— ...Como se eu precisasse dizer...
Incapaz de esconder sua confusão, Cargilla quietamente se
aproximou do caixão.
Os outros exterminadores pareciam igualmente confusos, se
perguntando se era algum tipo de armadilha ou uma brincadeira maior de seus
clientes, que podem até mesmo ter envolvido o prefeito no ato.
Mas uma pessoa entre eles — Shizune — olhou de longe, friamente
encarando o caixão branco.
Cargilla e os outros cuidadosamente o inspecionaram, mas não
conseguiam encontrar nenhum sinal de dano. Havia, estranhamente, diversas
marcas de sapatos na tampa do caixão, mas Cargilla notou algo ainda mais
desencorajador e gritou.
— ...O que é isso? Cola de carpintaria?
Algo como resina estava cobrindo o espaço entre a tampa e a base
do caixão. Era translúcido, como um tipo de supercola, e parecia que estava lá
para selar completamente o caixão, prevenindo que até mesmo uma gota d’água
escapasse.
Além da tampa estar presa à base, o caixão em si estava bem
resistente. Eles precisariam de mais que um pé-de-cabra para abrir algo assim.
—
...O que está acontecendo aqui? Um dos exterminadores perguntou nervoso. Mas
Cargilla naturalmente não tinha nenhuma resposta corajosa preparada.
Val
ansiosamente olhou para o líder pensativo e assobiou hesitantemente.
—
Tem mesmo um vampiro aí? E se o prefeito e o casal cometeram um assassinato ou
algo e estão tentando armar para nós?
—
Nós confirmamos todos os dados sobre este trabalho. Além disso, se eles forem
inteligentes, jogariam o corpo em algum lugar nas montanhas ao invés de trazer
um grupo turbulento como nós. E se só estiverem brincando com a gente, bem...
cruzaremos esse limite na hora. Vamos sugar cada centavo dos clientes e do
prefeito.
—
Isso é inútil... — murmurou Val, olhando ao redor. De repente, Shizune falou
atrás deles.
—
Aqui.
—
Hã?
A
Devoradora abriu a boca pela primeira vez desde que chegou à ilha.
Ela
não parecia ser muito confiante em nada além de sua língua nativa, tecendo
palavras para falar suas ideias.
—
Aqui dentro. O vampiro. Eu sinto.
Os
exterminadores engoliram em seco. Eles vieram a este lugar porque sabiam que o
vampiro estava aqui, mas a confirmação de Shizune fez o ar ficar mais pesado do
que já estava.
—
...Então você consegue sentir vampiros, não é? Como pode saber? Eles nem
respiram.
—
Não acredita. Certo.
Shizune
respondeu a réplica de Cargilla com desdém e silêncio. Então ela continuou a
olhar para o caixão atrás de alguns exterminadores, como se estivesse propondo
um desafio em silêncio.
“Droga. Isso é frio. A única coisa feminina
nela é o belo rosto e os grandes seios.”
Falando insultos em sua cabeça, Cargilla voltou ao trabalho.
—
Quanto à demolição... Certo. Podemos sair por aquela porta e ir ao balcão...
não. Talvez o terraço no telhado é uma ideia melhor. Enquanto conseguirmos ir
para algum lugar com boa luz do sol.
Os
exterminadores carregaram o caixão para fora com mãos hábeis, embora tivesse
algo desajeitado neles desta vez. Eles passaram por esse processo várias vezes
antes, mas hoje estava estranho. Embora eles pudessem superar uma
peculiaridade, havia muitas que os incomodavam hoje.
A
Devoradora japonesa que de repente veio até eles antes da missão.
As
ruas sinistramente pacíficas.
O
castelo majestoso frequentado por turistas, o tipo de lugar onde nenhum vampiro
normal escolheria para descansar.
E
o caixão branco, diante deles como se preparado para um atencioso anfitrião.
—
Só pode ser uma armadilha—
—
Cale a boca! — Cargilla gritou com o novato, mas logo percebeu que só estava
tentando acalmar a própria ansiedade, levando-o a se sentir ainda pior que
antes.
Quando ele recebeu seu primeiro compromisso com o presidente da
companhia, ele não acreditou que fosse capaz de matar vampiros nem que vampiros
existissem, para início de conversa. Por isso ele conseguiu carregar o caixão
tão indiferentemente para o local designado, cravar estacas cobertas de
explosivos e explodi-lo sob o sol.
A criatura exposta à deserta luz do sol se debatia onde estava,
coberta de lascas e estilhaços de madeira. Logo se enrijeceu como uma coluna de
sal e espalhou-se em cinzas sem se inflamar.
O primeiro pensamento que correu por sua cabeça foi um apavorado “Uma pessoa?!”. Logo foi seguido pelo terror
de perceber que a criatura não era humana. Depois veio a satisfação de vê-la se
dissolver diante de seus olhos.
“Eu matei — não,
exterminei aquilo. Aquela criatura
desumana.”
Quando ele percebeu, já estava rindo.
Uma criatura que deveria ser mais forte que ele — o tipo de monstro como o de filmes e
lendas — foi reduzido a cinzas medíocres porque ele o atacou durante seu sono.
Ele nunca havia percebido que o ato do extermínio poderia ser tão
satisfatório.
Era surpreendentemente fácil destruir essas criaturas. Durante o
dia eles podiam atacar ou chutar o caixão o quanto quisessem, e os vampiros não
acordariam. Era diferente à noite, mas eles não eram tão tolos ao ponto de
fazer tantos esforços.
Vampiros não têm registros oficiais, por assim dizer. Os exterminadores
recebiam agradecimentos por matá-los, mas a lei nunca fazia isso de fato. Os
explosivos que usavam foram suficientes para um caixão e uma pessoa, então uma
explosão não era um problema a menos que houvesse outras residências em
quarteirões próximos — o que
era pouco provável, já que vampiros raramente viviam em áreas muito populosas.
Quanto mais vampiros exterminavam, mais sentiam prazer nisso.
Naturalmente, poucos que escolhiam esse caminho eram completamente
sãos. A maioria havia feito trabalhos mercenários como Cargilla antes de
escapar, rejeitavam uma vida normal, ou eram bandidos que não tinham talento
nem motivação.
Sempre que recrutavam novos exterminadores, recebiam todo o tipo
de candidatos. Fanáticos obcecados com o oculto, e pessoas topando fazer tudo
por dinheiro. Obviamente, eles empregavam os que se encaixavam na segunda
opção.
Os exterminadores sentiam-se nervosos por causa de Shizune, mas
talvez no fundo eles não sejam tão diferentes um do outro.
A maior diferença entre eles, entretanto, era o calibre dos
vampiros que enfrentaram no passado. Suas atitudes serviam como prova de suas
experiências.
Cargilla não era intimidado pela situação adiante, mas Shizune
continuava em guarda — nem um
pouco diferente de sua atitude anterior. Ela estava focada e pronta, preparada
para reagir a qualquer diferença que pudesse cair sobre eles.
O
quarto estava diretamente conectado ao terraço no telhado. Conforme os seis
exterminadores carregavam o caixão subindo as escadas, muitos deles começaram a
cochichar, nervosos.
—
Ei, esse caixão não é... estranho?
—
...Sim. Como se algo líquido estivesse se mexendo por dentro.
—
É como se estivéssemos carregando um
aquário ou algo assim...
Algo
sobre o caixão os deixava inquietos, mas não podiam deixá-lo no meio do
caminho.
Quando
o levaram para a luz do sol, pareciam estar ainda mais aterrorizados pelo
conteúdo do caixão que o normal.
—
Tch. O que vocês são, garotinhas? Ei, ligue a filmadora — disse Cargilla.
Um
dos exterminadores preparou uma velha Handycam. Com um zumbido mecânico, a fita
por dentro começou a rodar.
A
gravação que estão fazendo seria usada como referência e prova de que
exterminaram, de fato, o alvo.
Notando
o começo da gravação com o canto dos olhos, Cargilla lentamente pegou seu
walkie-talkie.
—
Sou eu. Como estão as coisas do seu lado? — perguntou calmamente. O segundo em
comando, que foi ver os clientes, respondeu.
<Sem
problemas para informar, senhor. Estamos com o casal assim como o prefeito.
Aparentemente ele está de folga hoje.>
—
Sobre as habilidades do vampiro. O cliente disse mais alguma coisa?
<Nada,
senhor. O prefeito diz que é fraco contra a luz do sol como os outros
vampiros.>
—
Entendo. Então conto com você para negociar nosso pagamento, como sempre.
Com
um comando que fez ser difícil de acreditar que era um homem de negócios,
Cargilla quietamente se virou para o caixão.
Ele
estava brilhando sob a luz do sol. Inscrito em vermelho na tampa do caixão
estava o nome “Gerhardt von Waldstein”.
Quarenta
e cinco segundos depois, dezenas de estacas de madeira foram atiradas e
cravadas no caixão.
†
As estacas, do tamanho do antebraço de uma criança, foram atiradas
no caixão em silêncio.
Os equipamentos que os exterminadores descarregaram das vans
pareciam que saíram de um filme de ficção científica de quinta categoria.
A arma, uma fusão confusa de lança e bazuca, parecia ostentosa o
bastante para pertencer a uma ferramenta de um estúdio para lutar contra
monstros gigantes.
Os exterminadores entraram em uma formação de batalha simples ao
redor do caixão no terraço do telhado.
É claro, sua formação
estava bruta e desorganizada, cada membro estava posicionado em lugares que não
ficavam na mira de tiro dos outros.
—
Certo! Atirem, atirem! Atirem até suas mãos caírem!
Enquanto
Cargilla gritava suas ordens, os dedos dos exterminadores se moveram habilmente.
Era como se eles tivessem se decidido, esquecendo o medo de instantes atrás.
Com
um grito aquoso, porém explosivo, objetos estranhos foram disparados do tambor
das armas estranhas.
Eram
longos cilindros cobertos de prata. No momento em que os cilindros atingiram o
caixão, eles tremeram com uma explosão crepitante.
Os
cilindros logo caíram como cartuchos usados, deixando apenas as estacas brancas
onde estavam antes. A explosão era para fazer um buraco pelo caixão, e os
cilindros ejetaram as estacas na abertura.
No
fim, o caixão parecia um porco-espinho.
Cargilla
levantou um braço para sinalizar aos outros para cessar fogo.
Após
vários segundos de silêncio, uma rajada de vento do topo das montanhas soprou.
Uma explosão envolveu o caixão branco.
Shizune
Kijima olhou com os olhos bem abertos e murmurou para si mesma.
—
Incrível...
Sua
expressão, dita em japonês, tinha um toque de choque e admiração.
—
E pensar que eles cobririam as estacas com explosivos...
Era
estranhamente nostálgico, como assistir a morte de um monstro em um tokusatsu[3]
japonês.
A
fachada fria de Shizune finalmente se quebrou, revelando emoções em seu rosto
pela primeira vez.
Era
semelhante a usar uma bomba nuclear para matar um único alien. Shizune balançou
a cabeça, um meio sorriso se formou em seus lábios.
“Por onde eu começo?”
Até
não muito tempo atrás, ela olhou com desdém para esses exterminadores que a
evitavam. Mas no momento em que essa cena se desdobrou diante dela, ela começou
a sentir uma grande pena por eles.
O
incômodo estava sempre ali. O planejamento do time era muito casual para um
grupo que fazia isso para viver. O comandante não tinha habilidades de liderança.
Seus equipamentos eram ostentosos e absurdos, até mesmo para os olhos de um
caçador.
O
único motivo pelo qual esse time sobrevive por tanto tempo é porque foram
sortudos o bastante para enfrentar apenas os vampiros mais fracos. Fracos que
não fazem jus ao seu nome, permitindo que seus caixões sejam encontrados embora
sejam fatalmente fracos contra a luz do sol. A única coisa que ela poderia
elogiar esse time era por sua habilidade em infiltrar equipamentos como esses nos
lugares e sua coragem por levar esse tipo de trabalho.
Era
assim que sobreviveram até agora, ignorados por qualquer vampiro digno.
A
hipótese de Shizune era a mesma de Cargilla, mas ela quietamente balançou a
cabeça.
Deve
ser o modus operandi nesse time de execução há muito tempo.
—
Certo. Conseguimos! Nem mesmo um pedaço de ossos!
—
Talvez tenhamos usado poder de fogo demais. Há sangue em toda a parte.
Shizune
sentiu outra pontada de pena pelos exterminadores enquanto observava sua
conversa indiferente.
“Cedo ou tarde toda essa brincadeira se
tornará gritos.”
Ela
sabia exatamente que tipo de destino estava prestes a chegar. Ela entendia
perfeitamente a situação.
A
aura poderosa que ela sentiu antes estava se acumulando em um ritmo alarmante.
—
Ei, câmera! Pegou isso?!
Cargilla
acenou para o exterminador com a câmera e sorriu triunfante,
“Isso foi fácil. Nada fora do comum.”
Liberto
da tensão da missão, ele usou o impulso de sua recém conquistada liberdade para
dar um sorriso brilhante para seus lacaios.
Seus
olhos seguiram até Shizune, encostada conta a parede que separava o quarto do
terraço.
A
insegurança de Cargilla à sua presença parece ter evaporado. Ele falou com ela
em um tom zombeteiro.
—
Sinto muito se você queria esse raro, mocinha. Melhor lamber todo o sangue
derramado antes que evapore, sabe... — ele começou, mas congelou.
Quando
percebeu, o mundo ao seu redor ficou em silêncio. Os outros exterminadores
estavam boquiabertos como se vissem ficção se tornar real.
[Danke!]
Eram
as palavras escritas no chão de pedra.
Cada
letra tinha o tamanho de uma folha de jornal. As palavras significavam “obrigado”
em alemão.
O
motivo pelo qual os exterminadores congelaram não era porque as letras não
estavam lá antes, nem porque estavam girando de forma que desse para ler em
qualquer ângulo.
O
que os assombrou foi o fato de que as letras eram de um carmesim
assustadoramente brilhante, e que eram formadas pelo sangue que explodiu do
caixão.
As
letras não eram compostas por todo o sangue no caixão. O restante se aglomerou
em uma poça um pouco distante das letras. Havia sangue suficiente para preencher
mais da metade do caixão.
Cargilla
encarou de olhos arregalados. Shizune fez o mesmo, com um olhar mais sério.
E
como se confirmassem que todos os olhos estavam neles, as letras rastejaram
pelo chão como mercúrio e de repente mudaram para outro conjunto de letras.
[Thanks!]
[Merci!]
[Benefacis.]
[Obrigado!]
[Grazie!]
[ありがとう!]
[Спасибо.]
[......]
[...]
Enquanto os exterminadores continuaram olhando confusos,
as letras de sangue continuavam mudando de forma.
Eram todas palavras expressando gratidão, mas os exterminadores
não estavam tão relaxados ao ponto de não fazer nada e viraram para Cargilla em
busca de salvação.
—
N-não baixem a guarda, seus malditos! Droga! Isso é uma armadilha?! O corpo
principal deve estar se escondendo nas sombras em algum lugar! Afastem-se do
sangue e continuem em guarda!
E
assim que sua voz alcançou os ouvidos de todos no terraço, as letras de sangue
se combinaram ao resto da piscina de sangue, gemendo como uma criatura viva, e
começou a se mover em direção à grande parede entre o terraço e o quarto.
O
sangue parecia se acumular entre a parede e o chão por um momento, antes de
desafiar a gravidade e escalar a parede. Os exterminadores observaram, paralisados
de choque conforme ele disse uma longa frase em inglês.
[Perdão.
Notei que o líder do seu grupo fala inglês perfeitamente, devo continuar nesta
mesma língua!]
O
sangue do caixão formou letras em uma caligrafia elegante na parede. A cena
sobrenatural deixou os exterminadores sem palavras, mas o sangue ignorou seu choque
e usou a grande parede branca como uma tela para criar palavras com seu próprio
sangue.
[Obrigado!
Vocês têm minha sincera gratidão. Nenhuma palavra poderia ser o bastante para
reprimir minha apreciação! Eu teria estragado se ficasse preso naquele caixão
escuro por mais tempo! Obrigado por essa chance maravilhosa de ver a luz do sol
mais uma vez, Deus! Demônio! E todos os bons Santos, que me libertaram-me de
meu caixão!]
O
sangue se certificou de usar pontos de exclamação para expressar sua gratidão.
Cargilla e os outros não tinha ideia do porquê o sangue chamá-los de Santos,
mas talvez ele estivesse se referido aos fragmentos de estacas que estavam no
chão.
Percebendo
a gravidade da situação, Cargilla acumulou todo o amargor que conseguiu e
gritou para seus colegas exterminadores.
—
Isso é ruim! O corpo principal deve estar em algum lugar por aqui! Encontrem a
coisa controlando todo esse sangue!
E
como se em uma tentativa de corrigi-lo, as letras de sangue na parede mudaram
de forma mais uma vez.
[O
que é isso, queridos amigos? Estou bem aqui ou não? Este sangue sou eu, em
carne! Eu sou o sangue e esse sangue é tudo de mim!]
As
letras de sangue enfatizaram sua autonomia, usando pontos e vírgulas.
—
O quê...?
Cargilla
ficou boquiaberto de choque, as letras de sangue deram mais uma explicação.
[Queiram
acreditar em mim ou não, se quiserem se comunicar com este meu corpo, temo que
terão que falar. É um infortúnio que eu não tenha habilidades telepáticas.
—
O que é isso... Ninguém disse nada sobre isso. Que diabos...?
Cargilla
olhou para seus lacaios como se pedisse ajuda. O orgulho que ele tinha no exato
momento da explosão não existia mais. Ele estava rindo fracamente, seu tom
estava no máximo incerto e no mínimo, tolo.
[Ah,
por favor. Estou aberto a responder qualquer uma de suas perguntas, então não
hesitem em perguntar. Meu nome é Gerhardt von Waldstein! Eu sou um visconde, o
antigo lorde da ilha de Growerth, e atualmente um vampiro foragido!]
—
Um vampiro...
[Mas
deve ser sabendo disso antes que vocês, bons Santos, cravaram estacas de
madeira em meu caixão, não é? Pelo estado do caixão, presumo que as estacas que
usaram não eram meramente o que pareciam, mas de qualquer forma, eu sou um
vampiro, de fato. Podem ficar calmos. Entendo que minha forma não é nada
natural, mas não há necessidade de continuar seguindo isso.]
Os
exterminadores olharam um para o outro, incertos de como responder as letras
vermelhas.
Notando
o silêncio, o autoproclamado visconde de nome Gerhardt tirou as letras da
parede e escreveu outra página mais uma vez.
[Suponho
que devo lhes agradecer. Se os itens valiosos do santuário do castelo os satisfizerem,
sintam se à vontade! Embora minha humilde morada não seja páreo ao espetáculo
do Castelo Hohenzollern, agraciado por Vossa Majestade Imperial, garanto que eu
vou além de me equiparar à sua graça. Antiguidades, pinturas, qualquer coisa que
lhe for interessante é sua! Mas é claro, seria muito entediante expressar minha
gratidão apenas por presentes de bens materiais. A boa ação será paga com
outra, se quiserem, então chamem por mim caso precisarem de algo!]
O
jeito dramaticamente arcaico de falar parecia para Cargilla e os outros que era
em um tom arrogante. Enquanto lentamente pensaram no significado das palavras,
os exterminadores olharam um para o outro mais uma vez, sem palavras.
Entretanto,
uma pessoa entre eles se recusava a ficar em silêncio.
A
garota asiática deu um passo adiante. As palavras na parede tremeram como se a
observassem.
—
Você é Gerhardt von Waldstein, correto?
[Sim,
de fato.]
O
“você” de Shizune foi o bastante para o visconde perceber que a jovem era
japonesa. As ações que seguiam foram excepcionalmente rápidas mudando o resto
de suas palavras para japonês, ele escreveu outro grupo de palavras no canto
inferior esquerdo da parede diante dela.
[Ah,
uma bela jovem do Japão, presumo. Apenas você sente-se imperturbável por este
corpo. Então, o que procura. Este adoraria ajudá-la, Este fará qualquer coisa que
estiver no poder d’Este para auxiliar.]
No momento em que essas palavras vieram da parede,
Shizune olhou para cima em silêncio.
Pelo olhar em seu rosto, parecia que ela estava
suportando outra grande ira. Porém, mais que isso havia um senso de expectativa
e excitação sobre o ser diante dela.
Mas além do olhar de expectativa, seu rosto estava sem
expressão alguma. Estava vazio, como se ela não obtivesse nenhuma alegria de
sua antecipação.
[Hm...]
Enquanto o visconde convertia até mesmo suas
exclamações em japonês, Shizune murmurou quatro palavras.
—
Eu quero te comer.
No
momento em que disse isso, ela desapareceu de vista.
—
O qu—
No
segundo em que demorou para Cargilla respirar, Shizune havia saltado no ar.
Por
um momento parecia que ela estava presa à parede, mas no próximo, ela se lançou
para cima. Seus dedos estavam tocando a borda do telhado do castelo.
—
Hum... O... oque foi isso, senhor? ...Um monstro?
Os
olhos do novato Val ficaram mais arregalados que quando viu as letras de
sangue. Ele já estava além da ansiedade e nervosismo, agora à beira de um
terror completo.
—
Qual? O sangue, ou a garota?
Val
pensou por um momento e murmurou.
—
...Me pergunto.
Somente
agora os outros pareciam notar que Shizune havia partido, olhando ao redor selvagemente
para conseguir vislumbre dela.
Enquanto
isso, Shizune desceu como uma aranha. Pegando três tubos de ensaio ao lado, ela
os jogou na poça de sangue e nas letras de sangue sob ela.
Conforme os tubos de ensaio caíram, atingiram uma saliência
perto do meio da parede e se quebraram. De cada um esguichou uma substância diferente
— dois continham líquidos, e o último
alguma forma de pó branco.
A
poça de sangue abaixo habilmente evitou as substâncias que se espalharam
aleatoriamente acima. O sangue sob a chuva de líquido e pó escapou das áreas precisas
atingidas pelas substâncias. Era como ver água caindo em uma gota de cera em um
pedaço de papel.
Diversos
exterminadores olharam para as substâncias líquidas. Uma era transparente, sem
aroma ou vapor.
A
outra era uma substância misteriosa que brilhava em um tom branco-prateado. Tinha
uma forma circular na seção do telhado em que parou, tremendo um pouco como uma
gota de água em uma capa de chuva.
—
Prata líquida...? — Um dos exterminadores se perguntou. As letras na parede se
contorceram mais uma vez, expressão seu espanto.
[Minha
nossa, a jovem moça está por algum motivo seguindo o mito que diz que vampiros
ficam enfraquecidos por prata? Não que seja uma história falsa, mas devo lhe
avisar que prata líquida é mercúrio, um elemento diferente.]
—
Tente falar para ela...
[Oh?
A jovem não é uma de vocês, bons Santos? Por favor, perdoem o erro. Não fiz por
mal.]
Um momento após o pedido de desculpas ser escrito, a
poça de sangue repentinamente se levantou.
A massa de sangue se contorcer e se agitou como um redemoinho,
então saltou no teto, voando sobre a cabeça de Shizune.
No momento em que uma das agitações tocaram a
superfície do teto, puxou o restante do corpo como se fosse uma raiz puxando
tudo como uma mola.
Shizune também o seguiu e se lançou no telhado.
—
Hã?
Todos
os exterminadores ficaram presos no lugar, embasbacados com a cena que
acontecera diante deles. Mas Val logo quebrou o silêncio.
—
Hm, então o sangue e a garota desapareceram. O que fazemos agora?
Sua
pergunta incômoda trouxe os outros de volta à realidade um por um.
Diante
deles havia uma intocada parede branca.
Atrás
deles havia um caixão branco, quebrado em pedaços.
Cargilla
olhou para todos eles, e voltou seu olhar para o exterminador com a Handycam.
—
Quanto você conseguiu?
—
Tudo, senhor...
—
Livre-se da segunda parte.
—
Hã? — O cameraman deixou escapar, confuso. Cargilla deu um sorriso, embora o resto
do seu rosto não o acompanhara.
—
Corte na parte que explodimos o caixão. Daremos esse vídeo para o cliente.
Saímos da ilha antes do pôr do sol, mesmo que saiamos com trocados. Alguma objeção?
Os
exterminadores olharam um para o outro de novo e esperaram Cargilla.
—
Nenhuma objeção, então. Certo. Vamos sair da—vamos.
Cargilla
deixou o castelo mais rápido que qualquer um, seus lacaios atrás dele. Lembrando
a cena terrível de antes, ele tremeu e agradeceu em silêncio os exterminadores
por seguir sem fazer balbúrdias.
Ele
estava grato pelo fato de ninguém ter dito “vamos atrás daquilo!”.
“Droga. Ainda bem que esses bastardos não têm
senso de momento.”
—
Hm, talvez a gente devesse ajudá-laaaaagggh...
Cargilla
esmagou as costas de sua mão no rosto de Val antes que ele pudesse terminar a frase.
—
Disse alguma coisa?
—
...Nadaaaa, senhorrr...
[1] O
Massacre de Tsuyama aconteceu em 1938, na aldeia rural de Kaio, em Okayama,
Japão. Foi um incidente onde um jovem brutalmente assassinou trinta aldeões
após cortar a eletricidade da aldeia.
[2]
Baobahn sith é um tipo de vampiro fêmea na mitologia escocesa. Elas usam roupas
verdes e seduzem jovens viajantes.
[3]
Tokusatsu é um tipo de série no Japão que usa grande quantidade de efeitos
especiais. A série Kamen Rider e programas de monstros gigantes como Godzilla
são considerados parte desta categoria.
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