quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Os Assassinatos da Casa Decagonal [Capítulo Um: O Primeiro dia na Ilha, Parte 2]

            A entrada ficava na costa oeste da ilha.
            Era flanqueada em ambos lados por penhascos íngremes. À direita, de frente para a entrada, havia uma superfície rochosa aparentemente perigosa e a parede do penhasco, a quase vinte metros de altura, continuava na direção da costa sul da ilha. Ao leste da ilha, onde as correntes eram muito fortes, a parede do penhasco alcançava quase cinquenta metros de altura. Diretamente em frente a ela havia uma inclinação íngreme, quase outra parede do penhasco, com um estreito caminho de pedra criado em uma forma de ziguezague. Arbustos verdes escuros se apegavam em sua visão aqui e ali.



            O barco lentamente entrou pela estreita entrada.
            As ondas lá dentro não eram tão intensas quanto as do mar. A cor da água também era diferente: um verde intenso e profundo.
            Ao lado esquerdo deles na entrada havia um píer de madeira; mais além, uma casa de barcos decrépita e gasta surgiu.
            — Então eu não preciso mesmo ver como cês tão nem uma vez? — O pescador perguntou aos seis enquanto eles pisavam no píer perigoso e rangente. — Não pensem que telefones funcionam aqui.
            — Está tudo bem, velho. — Ellery respondeu. — Nós temos um doutor em treinamento aqui. — Adicionou, pondo uma mão no ombro de Poe, que estava fumando um cigarro enquanto se sentava sobre uma grande mochila.
            O barbado Poe estava no quarto ano da faculdade de medicina.
— Sim, o Ellery está certo. — Lançou Agatha. — Não é sempre que temos a chance de visitar uma ilha deserta, e arruinaria o clima se alguém viesse sempre checar como estamos.
— Vejo que cês tem uma jovem corajosa, também.
O pescador expôs seus dentes brancos e fortes enquanto ria e desfazia o laço da corda que estava amarrada ao poste do píer.
— Eu voltarei para buscar cês na terça-feira da semana que vem, às 10 da manhã, então. Tomem cuidado.
— Obrigada, nós teremos cuidado. Principalmente com os fantasmas.

*

No topo das escadas de pedra, a vista de repente se abriu. Um gramado alto parecia ser o jardim principal de um pequeno edifício com paredes brancas e um telhado azul, que estava lá como se estivesse esperando pelos alunos.
As portas duplas azuis diante deles provavelmente eram a entrada principal. Alguns passos os levavam a elas.
— Então esta é a Casa Decagonal.
Ellery foi o primeiro a falar, mas, após ter subido uma escadaria enorme, estava sem ar. Ele derrubou sua mala de viagens cor de camelo no chão e ficou observando o céu.
— Agatha, o que você achou?
— Um lugar surpreendentemente agradável.
Agatha usou seu lenço em sua testa de pele clara, que estava brilhando de suor.
— E eu... eu acho... que...
Leroux também estava sem fôlego. Seus braços estavam cheios de bagagens, incluindo a de Agatha.
— Eu esperava... como devo dizer? Algo mais sinistro.
— Nem sempre se pode ter o que quer. Vamos entrar. Van deve ter chegado aqui antes de nós, mas eu não estou o vendo.
Assim que Ellery recuperou a respiração, pegou sua mala e murmurou essas palavras, uma persiana azul tremeu imediatamente ao lado esquerdo da entrada, que estava aberta, e um homem observava de dentro.
— Olá, pessoal.
E foi assim que Van Dine fez sua aparição, o sétimo membro do grupo de alunos que iriam dormir e comer nesta ilha, e neste edifício, por uma semana. Seu nome era, óbvio, de S. S. Van Dine, o pai literário do grande detetive Philo Vance.
— Só um segundo, eu vou sair. — Disse Van em seu tom de voz estranho e rouco, e fechou a persiana. Após uma breve pausa, ele veio correndo pela entrada principal.
Desculpe por não ter ido encontrá-los no píer. Eu peguei um resfriado ontem. E também estou com uma ligeira febre, então deitei por um momento. Mas eu ouvi o barco de vocês chegar.
Van chegou um pouco mais cedo na ilha para preparar tudo.
— Um resfriado? Espero que não seja nada sério. — Perguntou Leroux com um olhar preocupado, levantando seus óculos que estavam escorregando até seu nariz por causa do suor.
— Não é nada sério... Ao menos é o que eu espero.
Um calafrio passou pelo corpo esguio de Van, e ele riu, desconcertado.

*

Guiado por Van, o grupo entrou na Casa Decagonal.
Passando pelas portas duplas azuis, eles entraram no enorme corredor de entrada — o qual eles logo perceberam que parecia ser enorme por uma ilusão de ótica. Na verdade, não era tão espaçoso. Mas dado o fato de que os cômodos não eram retangulares, parecia ser maior do que realmente eram.
Na parede de frente para eles havia outro par de portas duplas levando ainda mais longe no edifício. Olhando mais perto, eles perceberam que a parede era mais baixa da que havia atrás deles, o que significava que o corredor de entrada tinha o formato de um trapézio, ficando menor conforme eles prosseguiam.
Todos, exceto por Van, estavam curiosos pelo estranho layout do cômodo, que brincava com seu senso de perspectiva, mas assim que passaram pelo segundo lance de portas e chegaram ao corredor principal do edifício, a consciência começou a aparecer. Eles estavam em uma sala decagonal, cercada pelas dez paredes de mesma largura.
Para entender a estrutura da tão comentada Casa Decagonal, provavelmente seria melhor imaginar a planta.
A característica distinta desta casa é que, como o nome sugere, as paredes externas formam um decágono — um decágono equilátero. Do lado de dentro do decágono exterior, dez blocos separados ficam um ao lado do outro, cercando o decágono interior que constitui o corredor principal. Em outras palavras, um decágono equilátero interno, que é o corredor principal, era cercado por dez cômodos em forma trapezoidal equilátera. O corredor de entrada pelo qual acabaram de passar era um desses cômodos.
— E? Bizarro, não é?
Van, que estava guiando-os, virou-se para os outros.
— Essas portas duplas ao lado oposto da entrada levam à cozinha. À esquerda dela estão o lavabo e o banheiro. Os outros sete cômodos são quartos de hóspedes.
— Uma construção decagonal e um corredor também decagonal.
Conforme olhava ao redor, Ellery caminhou até a grande mesa no centro do cômodo. Ele a tocou com seus dedos.
— Isto também é decagonal. Que surpresa. Será que o assassino Nakamura Seiji sofria de monomania?
— Talvez. — Respondeu Leroux. — Dizem que na mansão queimada, chamada Mansão Azul, tudo era pintado de azul, do chão ao teto, e até mesmo cada um dos móveis.
O nome do indivíduo que se mudou para a ilha e construiu a Mansão Azul cerca de vinte anos atrás era Nakamura Seiji. E a Casa Decagonal, que era um anexo do edifício principal, claro, também foi construída por Nakamura Seiji.
— Todas iguais... — Agatha disse para ninguém em particular. — Me pergunto se vou conseguir distinguir esses cômodos um do outro.

As portas de entrada e da cozinha eram portas duplas opostas uma à outra, e ambas eram decoradas com vidro impresso em uma moldura de madeira pura. Quando as portas estavam fechadas, era difícil distingui-las. As quatro paredes em cada lado das portas duplas tinham outras portas que levavam aos quartos de hóspedes. Essas portas de madeira pura eram difíceis de diferenciar. Não havia móveis no corredor principal que pudessem servir como guia, então as preocupações de Agatha eram bem naturais. “Você está certa. Até mesmo eu já me confundi sobre os quartos várias vezes essa manhã também.” Van deu um sorriso irônico. Poderia ter sido a febre que deixou suas pálpebras tão inchadas.
— Que tal fazer algumas placas com nossos nomes para pôr nas portas? Orczy, você trouxe seu caderno de desenhos?
Orczy olhou para eles ansiosamente ao ouvir seu nome ser chamado.
Ela era uma mulher baixa. Atenta com sua forma um pouco gorda, ela sempre vestia roupas escuras, mas isso apenas a fazia parecer estar fora de moda. Ela era o completo oposto da brilhante Agatha e sempre desviava seu olhar tímido. Mas ela era bem hábil em seu hobby: pinturas ao estilo japonês.
— Sim. Eu o trouxe comigo. Devo pegá-lo agora?
— Não, pode ser depois. Deem uma olhada em seus quartos por enquanto. Eles são todos iguais, então não precisa brigar por causa deles. Mas eu já estou usando este quarto. — Van apontou para uma das portas.
— Eles me deram as chaves, então já as deixei nas fechaduras.
— Tudo bem, entendemos. — Ellery respondeu com energia.
— Vamos descansar um pouco, e depois exploraremos a ilha.



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