quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Os Assassinatos da Casa Decagonal [Capítulo Um: O Primeiro dia na Ilha, Parte 3]

Os quartos foram rapidamente divididos.
Contando da entrada principal, Van, Orczy e Poe ocupavam a esquerda e Ellery, Agatha, Carr e Leroux, a direita.
Após os seis desaparecerem em seus quartos com suas bagagens. Van se inclinou contra a porta de seu próprio quarto, pegou um cigarro Seven Stars de sua roupa marfim e o pôs em sua boca. Tendo feito seu trabalho, ele encarou profundamente o corredor decagonal mal iluminado.
As paredes eram feitas de gesso branco. O chão era coberto por grandes azulejos azuis e, diferente da maioria das casas japonesas, você poderia andar no interior com calçados. O telhado crescia diagonalmente das dez paredes, e no centro, havia uma claraboia decagonal, por onde a luz beijava as vigas expostas antes de cair sobre a mesa decagonal. Dez cadeiras com tecidos azuis cobrindo sua estrutura de madeira branca cercavam a mesa. Estas eram as únicas decorações no cômodo, exceto pela lâmpada pendurada nas vigas como um pêndulo.
Não havia eletricidade. Luz natural vinda da claraboia era a única fonte de iluminação, e era por isso que, mesmo durante o dia, uma atmosfera misteriosa permeava o corredor.
Após um tempo, Poe, vestido em jeans desbotados e uma camisa azul clara, saiu languidamente de seu quarto.
— Oh, você é rápido. Espere, vou fazer um pouco de café agora.
Segurando entre seus dedos o cigarro que já havia sido fumado pela metade, Van caminhou até a cozinha. Atualmente, ele era um aluno do terceiro ano na faculdade de ciências, o que significava que ele era um ano mais jovem que Poe, que era um aluno do quarto ano na faculdade de medicina.
— Obrigado. Deve ter sido difícil trazer as coisas maiores como os cobertores.
— Nem um pouco. Algumas pessoas me ajudaram.
Agatha também apareceu de sua porta, ocupada prendendo seu cabelo com um cachecol.
— Esses quartos são muito bons, Van. Eu esperava algo bem pior... Quer café? Eu vou preparar.
Agatha, animada, entrou na cozinha, onde viu uma garrafa de vídeo com um rótulo preto no balcão.
— Café instantâneo?
Ela pegou a garrafa com um olhar descontente e a balançou.
— Não seja exigente. — Respondeu Van. — Você não está em um resort, está em uma ilha deserta.
Agatha fez beicinho com seus lábios róseos.
— E os suprimentos alimentares?
— Estão no refrigerador. Mas não está funcionando, já que a eletricidade e telefones foram danificados no incêndio. Espero que não tenha problema.
— Bem, provavelmente servirá. Espero que tenha ao menos água.
— Sim, eu já conectei a rede de água. Eu também liguei o gás propano que comprei, então também podemos usar o aquecedor de água. Eu não recomendo, mas você pode usar até mesmo o banheiro.
— Bom trabalho. Hm, ainda há panelas e talheres restantes, pelo que vejo. Ou você os trouxe com você também?
Não, já estavam aqui. Três facas de cozinha também. Mas há muito mofo nesta tábua de corte.
Timidamente, Orczy se uniu a eles.
— Orczy, venha ajudar também. Com sorte, há muita coisa aqui, mas vamos precisar limpar tudo primeiro.
Agatha encolheu os ombros e tirou sua jaqueta de couro preta. Ela virou-se para Van e Poe, que estavam atrás de Orczy e observou a cozinha.
— Se você não vai ajudar, então por favor, saia. Vá explorar a ilha ou algo assim. Você não vai ganhar café enquanto não terminarmos.
Pondo a mão em seus quadris, ele encarou os dois. Van deu um sorriso irônico e recuou junto com Poe. Os dois viraram-se para encarar o corredor, e Agatha disse friamente para suas costas:
— E eu se esqueçam sobre as placas de nomes, não vou deixar vocês entrarem em nossos quartos enquanto estivermos nos despindo!
Agora, Ellery e Leroux também estavam chegando ao corredor principal.
— Derrotado pela Rainha, pelo que vejo.
Ellery riu enquanto colocava o dedo no queixo.
— Então, seguindo as ordens da Vossa Majestade, vamos dar uma olhada em volta da ilha.
— Provavelmente é melhor... onde está o Carr? Ainda no quarto?
— Ele saiu. Sozinho. — Disse Leroux enquanto encarava a entrada.
— Já?
— Ele banca o difícil de pagar. — Disse Ellery ironicamente e sorriu.

*

Uma fileira de pinheiros altos crescia ao norte da Casa Decagonal. Houve uma pausa na linha e os galhos dos pinheiros pretos de cada lado se conectavam para formar um arco pelo qual os quatro passaram para chegar ao que restou da Mansão Azul.
Tudo o que sobrou no local era a base da construção, assim como alguns tijolos sujos. O desolado jardim da frente foi coberto por uma grossa camada de cinzas negras, e ver as árvores ao redor, queimadas no incêndio e continuando em ruínas, era chocante.
— Completamente queimada. Deve ter sido um tremendo incêndio.
Vendo a cena sombria, Ellery suspirou.
— Realmente não sobrou nada.
— Então, Van, esta também é a sua primeira visita?
Van assentiu.
— Meu tio me contou muito sobre a ilha, mas hoje é a primeira vez que venho. Tive que carregar toda a bagagem esta manhã e depois fiquei febril, então pensei que não seria uma boa ideia explorar a ilha sozinho.
— Isso foi inteligente de sua parte. Mas não há nada além de cinzas e tijolos aqui, realmente.
— Acho que um corpo o deixaria feliz, não é, Ellery? — Sorriu Leroux.
— Corta essa, isso é mais a sua cara, não é?
Um pequeno caminho se abriu em um bosque de pinheiros ao oeste. Levava direto aos precipícios. Do outro lado do vasto mar índigo, conseguiram perceber que a sombra preta era J—Cape.
— Ótimo clima hoje. Quase tranquilo.
Ellery encarou o mar e se espreguiçou. Envolvendo suas mãos na bainha de seu suéter amarelo, Leroux também virou seu pequeno corpo ao mar.
— Você está certo, Ellery. É quase inacreditável que há apenas seis meses, neste mesmo lugar, aconteceu um incidente tão horrendo...
— Horrendo... essa é a palavra. Um assassinato quádruplo misterioso, bem aqui, na casa de Nakamura Seiji, mais conhecida como a Mansão Azul.
— Estou bem acostumado com assassinatos quíntuplos e até mesmo décuplos em livros, mas este foi real e aconteceu relativamente perto também. Eu fiquei bem chocado quando vi nas notícias.
— Acho que foi no início da manhã do dia vinte de setembro. Um incêndio começou e o edifício todo foi queimado completamente. Quatro corpos foram descobertos nas ruínas: o de Nakamura Seiji e sua esposa, Kazue, e os corpos do casal de servos que viviam lá.
Ellery falou de forma imparcial.
— Uma quantidade significativa de soníferos foi encontrada nos quatro corpos, mas a polícia também descobriu que eles não morreram todos pela mesma causa. Os dois servos foram amarrados em seus próprios quartos com cordas e suas cabeças foram esmagadas por um machado. A cabeça do chefe da casa, Seiji, foi embebida de querosene e, obviamente, queimou até a morte. Sua esposa, Kazue, que foi encontrada no mesmo quarto, foi estrangulada até a morte com um objeto semelhante a uma corda. E além disso, sua mão esquerda foi cortada na direção do pulso com um objeto afiado. A mão não foi recuperada das ruínas de fogo. Acho que esses foram os pontos chave do caso, certo, Leroux?
— Acho que também havia um jardineiro que desapareceu.
— Ah, é verdade. A polícia não conseguiu encontrar o jardineiro, que deveria chegar à ilha alguns dias antes para trabalhar. Aparentemente, ele desapareceu por completo.
— Sim.
— Há dois pontos de vista sobre isso. Um é que o jardineiro era o assassino e por isso desapareceu. O outro é que outra pessoa era o assassino. Por exemplo, o jardineiro podia estar fugindo do assassino e acidentalmente caiu do precipício e foi levado pela corrente.
— A polícia parece ter seguido com a teoria de que “o jardineiro igual assassino”. Mas não sei outros resultados que foram descobertos nas investigações mais a fundo. O que você acha do caso, Ellery?
— Bem. — Ellery afastou uma mecha de cabelo que foi bagunçada pelo vento soprando do mar. — Infelizmente, temos poucos dados. Tudo o que sabemos são as informações que recebemos nos poucos dias que os noticiários e jornais estavam sempre comentando sobre o caso.
— Você parece surpreendentemente incerto.
— Particularmente, não. É fácil pensar em uma hipótese meramente lógica. Mas há poucos dados para provar alguma teoria e declarar Q.E.D¹. Neste caso em particular, a investigação policial também foi mal executada. Mas mesmo assim, isso foi o que restou da cena do crime. E não houve nenhum outro sobrevivente na ilha. É bem natural que a polícia consideraria o jardineiro desaparecido como o criminoso.
— Verdade.
— Então a verdade está escondida sob estas cinzas.
Ellery se virou e caminhou até os tijolos restantes e pegou um pedaço de madeira. Agachado, ele viu o que estava abaixo.
— Qual o problema?
Leroux parecia confuso.
— Não seria interessante se eu encontrasse a mão da esposa aqui? — Disse Ellery com uma expressão séria.
— Ou talvez nós vamos encontrar o esqueleto do jardineiro sob o chão da Casa Decagonal.
— Vocês são todos loucos.
Poe, que estava ouvindo a conversa em silêncio, passou a mão por sua barba. Ele tinha um olhar preocupado.
— Você tem um senso de humor bem peculiar, não é, Ellery?
— Eu concordo. — Leroux entrou na conversa. — É como você disse no barco: se algo acontecer nesta ilha amanhã, será como o “chalé na tempestade de neve” que Ellery tanto ama. Como ele ficaria feliz se acontecesse um assassinato em série como em “E Não Sobrou Nenhum”.
— E ele seria o primeiro a morrer.
Poe falava bem pouco, mas ocasionalmente dava lugar para palavras ásperas.
Leroux e Van olharam-se e riram.
— Um assassinato em série em uma ilha remota. Heh. Parece bom. — Disse Ellery com ânimo.
— Precisamente o que eu quero. E eu terei o papel do detetive. E então? Alguém quer desafiar a mim, Ellery Queen?



¹ Quod erat demonstrandum, significa “o que foi demonstrado”, ou “como se queria demonstrar”. Geralmente é posta no final de uma prova matemática ou argumento filosófico para indicar que a prova ou argumento está completo.

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