quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Os Assassinatos da Casa Decagonal [Prólogo]

O mar à noite. Um momento de quietude.
O som maçante das ondas brotando da infinita obscuridade, apenas para desaparecer novamente.
Ele se sentou no frio concreto do quebra-mar e encarou a escuridão em expansão, seu corpo velado pelo vapor branco de sua respiração.
Ele tem sofrido por meses. Ele tem ponderado por semanas. Ele tem pensado em apenas uma coisa por dias. E agora sua mente estava focando em apenas um único e claro objetivo definido.
Tudo já fora planejado.
Os preparativos já estavam quase completos.
Tudo o que ele precisava fazer agora era esperar que elas caminhassem até a armadilha.
Ele sabia que seu plano estava longe de ser perfeito. Poderia ser descrito como um farrapo ao invés de meticuloso. Mas ele nunca pretendeu planejar tudo em perfeitos detalhes, em primeiro lugar.
Não importa o quanto tentasse, um homem seria apenas um mero homem, e nunca um deus.
Era fácil imaginar a si mesmo assim, mas ele sabia que enquanto humanos fossem apenas humanos, nem mesmo o mais prendado entre eles poderia se tornar um deus.
E como alguém que não é um deus poderia prever o futuro, moldado sempre pela psicologia humana, comportamentos humanos e mero acaso?
Mesmo que o mundo seja visto como um tabuleiro de xadrez, e cada pessoa que havia nele como uma peça do jogo, ainda haveria limites em quantos movimentos futuros poderiam ser previstos. O plano mais meticuloso, planejado ao mínimo detalhe, ainda poderia falhar às vezes, em algum lugar, de alguma forma. A realidade dispunha de muitas coincidências e ações excêntricas feitas pelos humanos até mesmo para o esquema mais elaborado se cumprir exatamente como o planejado.
O plano mais desejado não era aquele que limitava seus próprios movimentos, mas um flexível que poderia se adaptar a qualquer circunstância: essa foi a conclusão a qual ele chegou.
Ele não poderia se permitir ser constrangido.
Não era o enredo que era vital, mas a estrutura. Uma estrutura onde sempre seria possível fazer a melhor escolha, dependendo das circunstâncias no momento.
Se ele conseguiria fazê-lo dependeria de seu próprio intelecto, pensamento rápido e, acima de tudo, sorte.
Eu sei que um homem nunca se tornará um deus.
Mas, em um sentido, ele indubitavelmente estaria prestes a assumir este papel.
Julgamento. Sim, julgamento.
Em nome da vingança, ele iria proporcionar-lhes um julgamento — em todas elas.
Um julgamento fora da corte da lei.
Ele não era um deus então nunca poderia ser perdoado pelo que estava prestes a fazer — ele tinha plena consciência deste fato. O ato poderia ser chamado de “crime”, por seus companheiros e, se descoberto, ele próprio poderia ser julgado de acordo com a lei.
Apesar disso, o senso comum não seria mais capaz de controlar suas emoções. Emoções? Não, não era algo tão raso quanto isto. Absolutamente não. Isto não era apenas um sentimento poderoso dentro dele. Era o grito de sua alma, seu último laço com a vida, sua razão para viver.
O mar à noite. Um momento de quietude.
Nem o brilho das estrelas, nem a luz dos navios fora da costa poderiam atrapalhar a escuridão à qual ele olhava. Ele ponderou sobre seu plano mais uma vez.
Os preparativos estavam quase prontos. Logo, elas, suas pecaminosas presas, cairiam em sua armadilha. Uma armadilha que consistia de dez lados iguais e ângulos interiores.
Elas chegariam lá sem suspeitar de nada. Sem qualquer hesitação ou medo de que estariam caminhando para a armadilha decagonal, onde seriam sentenciados.
O que os espera lá era, claro, a morte. Era a punição óbvia para todas.
E não mortes simples. Explodir todas de uma vez seria infinitamente mais fácil e mais certeiro, mas ele não deveria escolher este caminho.
Ele teria que matar em ordem, uma a uma. Precisamente como na história escrita pela famosa escritora britânica — lentamente, uma após a outra. Ele deve faz com que saibam. O sofrimento, a tristeza, a dor e terror da morte.
Talvez ele estivesse mentalmente instável. Ele mesmo seria o primeiro a admitir isso.
Eu sei — não importa como eu tente justificar, o que eu estou planejando fazer não é são.
Ele lentamente balançou sua cabeça para o turbulento mar cor de azeviche.
Sua mão, posta no bolso de seu casaco, tocou algo duro. Ele pegou o objeto e o tirou do bolso, segurando-o na frente de seus olhos.
Era uma pequena garrafa transparente de vidro verde.
Ela estava seguramente selada por uma rolha, e dentro dela estava tudo o que ele conseguiu coletar de dentro do seu coração: o que as pessoas gostam de chamar de “consciência”. Alguns pedações de papel dobrados e selados. Neles estavam impressos em letras pequenas o plano que ele estava prestes a executar. Não tinha destinatário. Era uma carta de confissão.
Eu sei que um homem nunca se tornará um deus.
E precisamente porque ele entendia isso, ele não queria deixar o julgamento final para um humano. Não importa onde a garrafa fosse parar. Ele só queria deixar a questão no mar — a origem de toda a vida — se, por fim, ele estaria certo ou não.
O vento soprou com mais força.
Um ar gélido e agudo passou por sua espinha e seu corpo tremeu por completo.
Ele lançou a garrafa na escuridão.


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